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Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|Soluções fáceis

Infelizmente, muitos são seduzidos pelo sonho de que é sempre possível achar uma solução fácil para muitos problemas econômicos, evitando os custos políticos. Nesse artigo quero discutir duas dessas “soluções fáceis”. 

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Atualização:

A primeira é que seria um erro insistir na reforma da Previdência, elevando a idade de aposentadoria e removendo a indexação do pagamento dos benefícios ao salário mínimo. Afinal, os gastos com a Previdência representam 7% do PIB, enquanto os juros sobre a dívida pública recentemente subiram a 8,9% do PIB. Por que privilegiar os “rentistas” em detrimento dos que trabalharam por toda uma vida? Em vez de mobilizar a sociedade no apoio de uma reforma da Previdência, vendedores de ilusão conclamam economistas e políticos a pressionar pela redução da taxa de juros.

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Quem defende essa proposta convenientemente se esquece do fracassado experimento de 2012, quando – sob aplausos – o governo derrubou “na marra” a taxa de juros. Não faltaram advertências de que a inflação cresceria, o que de fato ocorreu, mesmo diante do represamento dos preços administrados e das intervenções do Banco Central no mercado futuro de câmbio.

Correção inflacionária. Um dos erros cometidos por quem propõe esse caminho vem do fato de que nem todo o gasto de 8,9% do PIB refere-se ao pagamento de juros. Nesse total estão incluídos os prejuízos do Banco Central com as vendas de swaps cambiais, que, se forem excluídos, levariam esse total a 6,6% do PIB. O segundo erro vem do “esquecimento” – também conveniente – de que os juros nominais são a soma dos juros reais e das expectativas de inflação, e quanto maior forem as expectativas, mais elevada será a taxa nominal de juros. Ou seja, o “custo de juros” sobre a dívida pública é tanto mais elevado quanto maior for a inflação. Diante de inflações tão elevadas quanto a nossa, deveríamos utilizar o conceito largamente usado no passado, que é o de “déficit operacional”, que deduz do déficit nominal o que no passado era denominado de “correção inflacionária da dívida pública”, que nada mais é do que a componente de expectativas de inflação embutida na taxa nominal de juros. Em artigo recente na Folha de S. Paulo, Alexandre Schwartsman mostrou que, se isso fosse feito, chegaríamos a um gasto com juros da ordem de 2% do PIB. 

Nesse ponto, cabem três considerações. A primeira é que quem se apressar em acusar-me de recriar uma esquecida “jabuticaba”, lembro que o conceito de déficit operacional não foi utilizado apenas no Brasil. Quando na era pré-Volker as inflações nos Estados Unidos eram elevadas, e atribuídas à política fiscal expansionista, Franco Modigliani – um conhecido ganhador do prêmio Nobel de economia – o usou para demonstrar que a contribuição da política fiscal era muito menor. Discuto esse episódio no capítulo 3 do livro Inflação e Crises. 

A segunda é que nunca é demais repetir que uma das razões para as elevadas taxas nominais de juros pagas atualmente no Brasil é o fato de que a inflação cresceu muito acima da meta, o que elevou as taxas de inflação esperadas, e que esse resultado é uma consequência da redução “na marra” da taxa de juros ocorrida em 2012. Ao renunciar ao uso da política monetária para controlar a inflação, preferindo fazê-lo contendo os reajustes de preços administrados e impedindo a depreciação cambial com pesadas intervenções no mercado futuro, o governo gerou pressões que explodiram em uma inflação mais alta, tornando inexorável a elevação das taxas nominal e real de juros. Será que valeria a pena repetir esse experimento? 

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A terceira diz respeito à taxa real de juros, que é reconhecidamente alta no Brasil. Embora não se tenha um diagnóstico preciso das razões para isso, podemos identificar pelo menos duas causas. A primeira são as baixas taxas domésticas de poupança, que em grande parte derivam das baixas taxas de poupança do próprio governo que, em última instância, vêm dos defeitos da política fiscal. A segunda são as distorções geradas pelo exagero nos subsídios ao crédito, particularmente pelo BNDES, que desde 2007 vem alimentando o aumento da oferta de crédito com recursos transferidos pelo Tesouro por fora do orçamento, que elevaram a dívida bruta em torno de 10 pontos porcentuais do PIB. O governo esperava que isso levaria ao aumento nos investimentos em capital fixo, acelerando o crescimento do PIB, mas como tem sido demonstrado por Carlos Antonio Rocca e por Sérgio Lazzarini, a taxa de investimentos no Brasil vem caindo ao lado do aumento da oferta de crédito por parte do BNDES. Precisamos baixar as taxas reais de juros, porém não “na marra”. 

A segunda “solução fácil” liga-se ao tamanho das reservas internacionais e às intervenções no mercado de swaps cambiais. Reservas altas têm custo (a diferença entre a taxa doméstica de juros – que é alta – e a taxa internacional de juros – próxima de zero), e o custo fiscal é ainda maior devido aos prejuízos vindos das vendas de swaps cambiais, cujo estoque situa-se pouco acima de US$ 100 bilhões. Se reduzíssemos o estoque de reservas, economizaríamos o diferencial entre as taxas – doméstica e internacional – de juros, e uma economia maior seria obtida caso os swaps cambiais fossem recomprados, seguidos da venda de reservas. 

Por que vender reservas quando os swaps são resgatados? A razão está no fato de que, com a recompra dos swaps, cairia o estoque de hedge, pressionando a depreciação do real. Quem propõe essa solução pensa que a depreciação seria evitada com venda de reservas, e, em adição, teríamos um ganho vindo da redução do tamanho da dívida. Como o Banco Central teria de esterilizar os efeitos monetários da venda de reservas, teria de recomprar títulos públicos através da redução de suas operações compromissadas, o que levaria à queda do estoque da dívida pública bruta. Ou seja, ao reduzir o estoque da dívida bruta, colheríamos o subproduto de aliviar a política fiscal, porque, com uma dívida menor, seriam necessários superávits primários mais baixos para estabilizá-la.

Mas será que esse efeito seria quantitativamente importante? Um pouco de aritmética mostra que não. A uma taxa cambial de R$4,00/US$, a queda de US$100 bilhões de reservas (eliminando o estoque de swaps) reduziria a relação dívida/PIB de 7 pontos porcentuais do PIB, o que à taxa de juros de 6,5% ao ano e com crescimento do PIB potencial de 1,5% ao ano, levaria a uma queda próxima de 0,35 ponto porcentual do PIB do superávit necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. Em vez de serem necessários (dadas as hipóteses sobre os juros reais e o crescimento potencial) superávits primários um pouco acima de 3% do PIB, seriam necessários superávits um pouco abaixo de 3%, ambos muito distantes dos números de hoje, quando ainda estamos no terreno dos déficits primários muito elevados. Em conclusão, isso não geraria alívio que merecesse maior atenção sobre o esforço fiscal que é necessário. 

Risco. Infelizmente, ao lado desse ganho muito pequeno, teríamos o aumento de um risco importante. O Brasil não vive uma crise de balanço de pagamentos, e sim uma crise fiscal e política. É ela que tem provocado a elevação das cotações do CDS e a depreciação do real, mas se vendêssemos reservas nessa intensidade sem aprofundar o ajuste fiscal estaríamos nos expondo à percepção de que entramos na antessala de uma crise no balanço de pagamentos. O mais provável é que essa “solução fácil” fosse vista pelos mercados como uma exposição desnecessária a outra crise, ligada ao balanço de pagamentos, e em vez da venda de reservas impedir a depreciação cambial vinda da queda do hedge cambial, teríamos depreciação mais acentuada ao lado do aumento das cotações do CDS, o que elevaria a inflação e as taxas nominais de juros, com efeitos sobre a “conta de juros” da dívida pública. 

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Nenhum desses artifícios supera o que é necessário para colocar o Brasil de volta à rota do crescimento, que é um profundo ajuste fiscal, para o qual não existem soluções fáceis.

Opinião por AFFONSO CELSO PASTORE
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