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Soluções milagrosas

Por Amir Khair
Atualização:

Várias análises apostam na elevação da Selic e nos cortes de despesas do governo federal como a solução para conter a inflação neste ano. Não creio.O País já está acompanhando a elevação da inflação que está ocorrendo em todos os países, desde setembro do ano passado, por causa da elevação dos preços dos alimentos e commodities. Infelizmente, não deveremos ser uma exceção diante dessa realidade internacional.Na China, a inflação nos últimos 12 meses atingiu mais de 10% nos alimentos; 4,9%, ao consumidor; e 6,6%, ao produtor. Os países desenvolvidos, no entanto, estão mais preocupados em retomar o crescimento. O banco central britânico praticamente abandonou a luta no curto prazo. As autoridades americanas estão ignorando tanto a queda da taxa de desemprego como a inflação de 4,1% nos preços de atacado. O Banco Central Europeu apenas registrou a elevação da inflação, que passou de 0,9% para 2,4% nos últimos 13 meses.Como agravante, neste início de ano a inflação no Brasil é sazonalmente mais elevada, por causa das chuvas que afetam a produção de alimentos in natura, dos reajustes das tarifas do transporte coletivo e das despesas com material escolar e o IPTU e IPVA. Em 2010 a inflação do primeiro quadrimestre respondeu por 44,8% da inflação anual. Se não houvesse sazonalidade, seria de 33,3%.Essa sazonalidade pode levar a equívocos nas projeções da inflação anual, ficando o Banco Central (BC) pressionado pelo mercado financeiro a elevar a taxa de juros. Caso resista a essa pressão, é acusado de agir com atraso, o que exigiria uma dose mais forte de elevação da taxa para compensar essa "falha".Fato interessante ocorreu no ano passado, quando aconteceu, no último quadrimestre, uma escalada de preços de alimentos e commodities no mundo todo. O BC foi pressionado a elevar a taxa de juros e, como não se dobrou à pressão do mercado financeiro, foi acusado de ter agido politicamente por causa das eleições. Fato é que o BC em sua ata de 8 de dezembro ressaltava que "os efeitos do ajuste na taxa Selic ainda não foram inteiramente incorporados à dinâmica dos preços. Adicionalmente, medidas macroprudenciais recentemente anunciadas, um instrumento rápido e potente para conter pressões localizadas de demanda, ainda terão seus efeitos incorporados à dinâmica dos preços".O BC sempre manifestou em suas atas que a alteração da Selic leva mais de seis meses para produzir efeito sobre a inflação. Como as elevações da Selic ocorreram de maio a julho, só no início deste ano se poderia ter uma avaliação do efeito. Por outro lado, foram criadas a partir do dia 6 de dezembro as medidas macroprudenciais, cujos efeitos precisavam ser apurados.Isso, no entanto, não foi suficiente para satisfazer o mercado financeiro e a pressão sobre o BC se elevou ainda mais, forçando, já a partir de 20 de janeiro, a primeira elevação da Selic, numa perspectiva de novas elevações nas próximas reuniões do Copom.Discute-se muito a questão da autonomia operacional do BC em relação ao governo federal, especialmente em relação ao Ministério da Fazenda. Mas a verdadeira pressão, que empana essa autonomia, está no mercado financeiro, o maior interessado em manter a Selic em níveis elevados e crescentes como solução milagrosa para domar a inflação.A única forma eficaz de atuação da Selic, para evitar uma escalada maior da inflação, tem sido a valorização do real que reduz os preços dos produtos importados. Mas essa saída está esgotada por causa dos prejuízos causados na indústria nacional e nas contas externas. O argumento muito utilizado nas decisões sobre a Selic - formar as expectativas dos agentes do mercado para indicar o rumo da inflação - vem sendo frustrado, ante a realidade maior que é a inflação vinda de fora dos alimentos e commodities - que respondem por mais da metade da inflação - e da indexação da inflação ocorrida no passado, como no caso do reajuste dos aluguéis, baseado no IGP-M, que cresceu 11,5% em 2010.Outra solução milagrosa é acreditar que o corte de R$ 50 bilhões nas despesas do governo irá contribuir para reduzir a demanda, permitindo ao BC o conforto de elevar menos a Selic. Esse corte, embora necessário, representa apenas 1,2% (!) da demanda.Além do mais, essas duas "soluções" se contradizem, pois, com o aumento da Selic, previsto para este ano, aliado à elevação das reservas internacionais e de aportes ao BNDES, que elevam a dívida bruta do governo, é possível que os juros gerados atinjam mais da metade (!) desse corte de R$ 50 bilhões.Embora talvez não resolvam o problema da inflação mais elevada nesse ano, as medidas macroprudenciais são mais eficazes e rápidas do que as soluções milagrosas da Selic e do corte das despesas federais. Essas medidas atingiram o cerne de uma das pernas do impulso da demanda que é a expansão e o custo do crédito, como ficou demonstrado pelo BC no dia 9 de fevereiro.É fundamental aprofundar as discussões sobre as causas da inflação para evitar soluções que, aparentemente, têm significado, mas que, na prática, não funcionam. Todo cuidado é pouco com as soluções milagrosas.MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS E CONSULTORE-MAIL: AKHAIR@UOL.COM.BR

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