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Subsídio para abastecimento de termoelétricas na Região Norte atinge R$ 7,5 bi em 2020

Presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores diz que ações como essa 'estimulam ineficiências' e que o Brasil precisa deixar de ser 'o País da energia barata e da conta cara'

Por Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - O abastecimento de termoelétricas na Região Norte custará R$ 7,5 bilhões aos consumidores de todo o País em 2020. O valor é 19% maior do que o volume pago neste ano, de R$ 6,3 bilhões, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e tem crescido exponencialmente ano após ano – em 2018, eram R$ 5,8 bilhões. Esse valor é usado para pagar o combustível utilizado por usinas a diesel e óleo nas regiões desconectadas do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Roraima é hoje um dos poucos - se não o único -, Estadobrasileiro que não está conectado ao Sistema Integrado Nacional (SIN), rede de transmissão de energia que conecta todo o País. Foto: Marcelo Casal Jr./ Agência Brasil

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O subsídio para as regiões isoladas foi criado como uma tentativa de fazer justiça social. O custo da energia gerada por essas usinas em Estados como Roraima, por exemplo, gira em torno de R$ 800 por megawatt-hora (MWh), enquanto que a energia gerada em usinas das Regiões Sul e Sudeste é de R$ 306, em média, de acordo com a Associação Brasileira de Grandes Consumidores (Abrace). Se esse custo fosse integralmente pago apenas pelos consumidores locais, a conta de luz teria um valor inviável, ainda mais considerando que a maioria da população que vive nas áreas isoladas é de baixa renda.

Mas uma série de fatores fez com que esse subsídio, que era de R$ 4 bilhões em 2013, quase dobrasse em sete anos. Um deles foi o próprio avanço do preço do combustível. Para se ter uma ideia, o diesel vendido em distribuidoras da Região Norte - uma referência para o custo do diesel não automotivo, usado pelas usinas - custava R$ 2,15 por litro em novembro de 2013, valor que passou a R$ 3,53 por litro em novembro deste ano, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).

Outra é a mudança na legislação estadual do governo do Amazonas, que criou a substituição tributária para o gás – antecipando o recolhimento de ICMS para as usinas. Esse custo é repassado ao preço da energia e não pode ser compensado. A estimativa é que isso tenha elevado a arrecadação do Amazonas em R$ 400 milhões, custo que também é repassado para a conta de luz dos consumidores de todo o País.

O custo de abastecimento da Região Norte incluiu ainda as perdas não técnicas das distribuidoras – mais conhecidos como “gatos”. Uma parcela das ligações de energia ilegais é repassada para as tarifas de todo o País, assim como o combustível comprado em dobro para compensar os roubos realizados por quadrilhas nos barcos que navegam nos rios.

Até mesmo investimentos feitos para reduzir o custo do abastecimento da região acabaram gerando mais despesas. É o caso do gasoduto UrucuCoariManaus, construído para reduzir o custo das usinas da região, substituindo o óleo e o diesel por gás. O custo projetado inicialmente pela Cigás para construir os ramais, de R$ 97,2 milhões em 2008, subiu para R$ 176,7 milhões em 2011.

Depois de um processo de fiscalização e anos de idas e vindas, a Aneel aprovou o valor de R$ 134,5 milhões como reembolso para o custo desses ramais. O repasse, agora, será feito de forma retroativa, em parcelas mensais de cerca de R$ 5 milhões até 2025. E embora a área técnica tenha recomendado que esse valor passasse por audiência pública, a Procuradoria da Aneel considerou que o assunto já vinha sendo amplamente debatido desde 2014 e que a agência reguladora já havia interagido com as partes interessadas.

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O relator, diretor Sandoval de Araújo Feitosa, concordou com a avaliação. Segundo ele, esse reembolso dos ramais termelétricos já havia sido aprovado e amplamente discutido, faltando apenas a definição do valor, de forma que a audiência pública seria desnecessária.

 

Caso do gasoduto não é o único

Mesmo depois que os sistemas isolados são conectados ao sistema, os subsídios continuam a ser pagos nas tarifas quando os contratos são antigos ou tiveram benefícios garantidos por lei. Enquanto a carga do sistema isolado é de cerca de R$ 450 MW médios, os reembolsos de subsídios alcançam mais que o dobro: média de cerca de 1 GW.

A linha que interligou Manaus, por exemplo, foi construída sob o argumento de que ela reduziria o custo da geração de combustíveis fósseis. Na prática, no entanto sua capacidade não é totalmente utilizada por critérios de segurança.

Paulo Pedrosa ex-secretário executivodo Ministério de Minas e Energia. Foto: Wilton Junior/Estadão - 24/10/2016

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Também relator do processo que definiu os subsídios embutidos na conta de luz de 2020 – que somarão R$ 20,105 bilhões e terão impacto de 2,4% nas tarifas –, Feitosa reconhece que o tema precisa ser discutido. “O custo das políticas públicas na tarifa de energia elétrica precisa ser avaliado de forma crítica para evitar distorções na tarifa, e principalmente eliminar injustiças”, disse.

Feitosa destaca que o custo de abastecimento da Região Norte foi o maior responsável pelo crescimento dos subsídios. Um dos maiores impactos foi o fim do abastecimento de energia pela Venezuela, que deixou de fornecer eletricidade para Roraima em março. Serão R$ 1,6 bilhão em 2020, ante R$ 600 milhões em 2018 e R$ 1,2 bilhão em 2019. Nesse caso, por exemplo, ele destaca que a discricionariedade da Aneel foi “nula”.

O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, afirma que os subsídios mascaram custos e estimulam ineficiências. No caso das usinas a diesel, com custo de R$ 800,00 por MWh, ele destaca ainda a cobrança de 40% de impostos sobre esse valor, também repassados às tarifas de todo o País.

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“Nesse caso valeria a pena instalar painéis solares para entregar energia de graça para os sistemas”, diz. “O setor elétrico precisa de um choque de racionalidade e competitividade para que o Brasil deixe de ser o País da energia barata e da conta cara”.

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