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Superando o fundo do poço

Por Monica Baumgarten
Atualização:

O ex-ministro Antonio Delfim Netto conclamou os críticos impenitentes a fazerem justiça à retórica de Guido Mantega em recente artigo publicado no Valor (O ministro tinha razão). Mantega estava certo quando alertou o mundo para a guerra cambial perpetrada pelos EUA, esses implacáveis belicistas monetários. Percebam o quão extraordinariamente visionário fora Guido Mantega agora, com o enfraquecimento generalizado das moedas dos países emergentes movidos pelas ameaças de reversão do laxismo monetário americano.A crise deflagrada pela hecatombe financeira de 2008, que fará cinco anos nas próximas semanas, suscitou respostas de política econômica inéditas. A expansão monetária americana, que dela proveio, foi a forma de não deixar que os EUA, e o mundo junto com eles, afundassem numa depressão à anos 30. Essa foi a principal motivação para os QEs em série e para as demais inovações introduzidas pelo Fed. Evidentemente, os efeitos colaterais de qualquer experimentalismo são inevitáveis. A política de juros nulos levou às valorizações das moedas emergentes, na busca frenética dos investidores internacionais por retorno. Contudo, urge perguntar: o que seria preferível, essa situação ou uma em que, em vez de o mundo ter saído, em meados de 2009, da recessão sincronizada que se abateu sobre diversos países, tivesse ficado preso ao torvelinho da falta de financiamento, da escassez do investimento, da queda da demanda e da tragédia do desemprego por anos a fio?Passados cinco anos da pior crise econômica da história recente, o mundo avançado se recupera. Os EUA dão sinais claros de retomada da atividade, a despeito da disfuncionalidade do sistema político que ainda impera. A Europa dá sinais de estabilidade - há seis meses a taxa de desemprego está estagnada na zona do euro. Parafraseando Mantega e sua inigualável criatividade semântica, parece que os países do euro superaram o fundo do poço... O Japão adotou medidas extraordinárias e a economia parece estar reagindo melhor do que se antecipava. A China, apesar dos temores recorrentes que tumultuam os mercados, continua a se expandir num ritmo invejável.Quem mais sofreu com o anúncio de que o Fed em breve daria início à reversão de suas políticas? E, afinal, não era isso o que todos almejavam? Bem, os países mais achincalhados pelos mercados foram a Índia e o Brasil. A Índia vive uma situação dramática, com a brusca queda do crescimento, comparado ao seu desempenho entre 2001 e 2011 - o Brasil também. A Índia tem uma taxa de inflação exorbitante, de 10,9% ao ano. O Brasil não chega a tanto, mas a inflação dos preços livres, que correspondem a 75% do IPCA, permanece em 8%. O déficit fiscal indiano é de inacreditáveis 9% do PIB. O nosso é bem menor, de uns 3%. O rombo nas contas externas deles é de 5% do PIB. O nosso está chegando lá. Brasil e Índia estão violando restrições orçamentárias por diversos motivos, inclusive para que seus governos se reelejam no ano que vem.Pode-se concluir desses fatos que, se as moedas da Índia e do Brasil estão sendo rechaçadas, a culpa não é só do malvado do Fed, que quer enfraquecer o dólar e penalizar a todos com suas políticas disparatadas. O enfraquecimento é resultado, também, de políticas mal concebidas e geridas em nosso país, como o ex-ministro Delfim já pontuou em diversas ocasiões.Os mercados financeiros não são perfeitos e invariavelmente se metem em enrascadas. Isso, entretanto, não sanciona a tese de Mantega, tampouco os controles de capitais nos países emergentes. O que isso necessita é de um arcabouço robusto e coordenado de regulação local e internacional, como escreveu a professora Hélène Rey, citada por Delfim. Algo que o mundo ainda está longe de implantar.Superar o fundo do poço dá trabalho. Requer uma conduta macroeconômica impecável perante os novos desafios. Por enquanto, tudo o que conseguimos oferecer ao mundo e a nós mesmos foram floreios linguísticos, imagens fortes e narrativas distorcidas da realidade. Desse jeito, superaremos o fundo do poço em mais de um sentido.* ECONOMISTA, PROFESSORA DA PUC-RIO E DIRETORA DO IEPE/CASA DAS GARÇAS

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