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Supermercados argentinos refletem o medo da hiperinflação

Por Agencia Estado
Atualização:

O que é pior para o bolso dos argentinos, o peso desvalorizado ou o fantasma da hiperinflação? A resposta é uma só: os dois juntos. Eles temem conviver com uma realidade que já conhecem bem, como nas três hiperinflações entre 1989 a 1991. Agora, a cada preço que sobe nas gôndolas dos supermercados, o medo se reforça. Mas por enquanto nada de correria. Poucos têm dinheiro para fazer muitas compras. "De ex-donos do mundo, agora nos sentimos a escória dele", desabafou Horacio Velásquez, um vendedor de 50 anos que comprava hoje no Supermercado Coto da Calle Mateu. "Veja ao seu lado, não há compradores. As pessoas só vêm para comprar o que está faltando mesmo, o básico." No seu bolso, 20 pesos (cerca de R$ 16) para levar farinha, açúcar, arroz, leite, óleo, carne e produtos de limpeza. Justamente a cesta básica de pessoas como Velásquez subiu 4,5% na semana da explosão do dólar, segundo a Associação de Defesa do Consumidor, que prevê ainda uma inflação de 13,2% em março - o mais alto índice dos últimos anos. A pesquisa indicou que a farinha subiu 50%; o arroz, 23,9%; o leite, 21,6%; e o sabonete, 37,7%. Uma realidade muito diferente de 2001, quando os preços gerais dos supermercados caíram 1,5%. O comerciante Rámon Buzzi, de 43 anos, teve de fazer sua segunda compra num supermercado durante a semana. O motivo não era dinheiro sobrando, mas falta de alguns produtos na primeira loja, como farinha e arroz. "Gostaria muito que Eduardo Duhalde soubesse que estamos passando por necessidades. Não me parece que ele esteja preocupado com os argentinos, mas só com os americanos e o FMI", criticou. Buzzi estava acompanhado de sua filha Gloria, de 10 anos, que nunca passou por uma hiperinflação, mas sabe o que é uma economia em crise. Da escola particular, foi transferida para uma pública. A TV a cabo deve ser cortada nos próximos dias, já que a conta não é paga há dois meses. E o plano de saúde, particular, deve ser mantido só por mais alguns meses. "Se a inflação explodir, o cenário do desastre estará completo." Uma das maiores dificuldades dos consumidores é avaliar a diferença dos preços. Segundo uma pesquisa do jornal Clarín, publicada hoje, para uma lista de 20 produtos em quatro supermercados, foi constatada uma variação entre 12 e 83%. Além disso, como o poder de consumo vem diminuindo, os argentinos passaram a abandonar muitos produtos. "Em casa, não entra mais iogurte, carne de primeira, água mineral, refrigerantes ou geléia. Na verdade, só dá para levar o essencial", afirmou a dona de casa Manuela Díaz, de 38 anos, no Supermercado Carrefour, em Caballito. Mãe de uma menina de 5 anos e divorciada, ela voltou a morar com os pais no fim do ano passado, quando seu ex-marido suspendeu a pensão. "Agora, não temos mais o dólar. Não teremos mais segurança se os preços explodirem." Antes do início do feriado prolongado na Argentina, o governo negociou com as supermercadistas para evitar a subida de preços. Temia-se pela corrida dos consumidores e pelo desabastecimento. Até o momento nada disso ocorreu. Mas os argentinos já constataram que os donos estão preparados para reajustar a tabela de preços a qualquer momento. Muitos produtos estão sem preço nas prateleiras ou com valores diferentes dos praticados no caixa. "Anotamos os preços nesta lista e na hora em que pagamos checamos o valor", disse Ernesto Coronado, um administrador de empresas de 38 anos. Apesar de ele estar "bem empregado", como afirma, isso não o impede de ser precavido nos gastos. "Não vamos mais viajar este ano para o exterior, como fizemos nas últimas férias. Tudo o que puder, vamos economizar. Em dólares." Coronado e sua mulher, Graciela, de 28, acreditam que o momento é delicado, mas pode ser superado. As hiperinflações do passado que o digam.

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