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Suspensão do WhatsApp indica que BC não deixará bigtechs sem regulação

Mesmo sem dar pistas de como vai endereçar o tema no País, a autoridade monetária monitora de perto o interesse cada vez maior dessas empresas

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Por Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

SÃO PAULO — A maneira como reagiu à 'chegada' do WhatsApp no sistema de pagamentos brasileiro dá claros sinais de que o Banco Central não deixará as gigantes de tecnologia, as chamadas bigtechs, abocanharem um pedaço do setor sem se sujeitarem ao crivo regulatório. Mesmo sem dar pistas de como vai endereçar o tema no País, a autoridade monetária monitora - e bem de perto - o interesse cada vez maior de nomes como Google, Apple, Amazon e, mais recentemente, do polêmico Facebook, dono dos aplicativos mais populares entre os brasileiros.

Banco Central suspendeu achegada do WhatsApp no sistema de meios de pagamento Foto: WhatsApp

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Cerca de dez dias antes de o WhatsApp anunciar o Brasil como o primeiro mercado de sua solução de pagamentos, o BC admitiu que as bigtechs representam um 'desafio' sob a ótica da regulação. O órgão vê ganhos de eficiência e impulso à inclusão social com a chegada das gigantes da tecnologia, mas, por outro lado, também vislumbra novos e 'complexos' trade-offs (trocas) em relação à tríade estabilidade financeira, competição e proteção de dados.

"As bigtechs possuem uma grande base de consumidores, fácil acesso a informações e modelos de negócio robustos. Essas diferenças podem ser um grande desafio na regulação", avaliou o BC, no recente Relatório de Economia Bancária (REB).

Foi com respaldo nesse quadro que o regulador decidiu suspender a chegada do WhatsApp no sistema de meios de pagamento dez dias depois de seu anúncio. Para isso, mudou, inclusive as regras do jogo, conforme revelou o Broadcast, na última terça-feira (23), com a edição de uma nova circular.

"O BC vai fazer análise específica das bigtechs. Isso ficou bastante claro não só na nota de suspensão do WhatsApp como na circular - alterada pelo regulador. O BC fez uma mudança bastante significativa e foi para endereçar as bigtechs", avalia o sócio da área de Bancos, Meios de Pagamento e Fintechs do Focaccia, Amaral e Lamonica Advogados (FAS Advogados), Pedro Eroles.

Nos bastidores, outra preocupação: de que as bigtechs tragam concorrência para o próprio BC. Isso porque, na prática, a solução do WhatsApp antecipa em quatro meses o que o sistema de pagamentos instantâneos do regulador, o PIX, começará a fazer em novembro deste ano. "O BC quer concorrência para os bancos, mas não para si mesmo", diz uma fonte próxima à autoridade monetária.

Prova disso é que o órgão regulador estaria cogitando antecipar o lançamento do PIX de novembro para setembro, conforme apurou o Broadcast. O movimento depende, contudo, de questões tecnológicas, uma vez que o prazo oficial já era considerado apertado. Além disso, seria uma clara resposta do BC à chegada do Facebook em 'seu território'.

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Apesar de estudar adiantar em dois meses o lançamento do PIX, uma possibilidade seria manter a data original, de 16 de novembro, como o prazo obrigatório para as instituições que se cadastraram junto ao regulador começarem a operá-lo. O sistema já atraiu 980 candidatas que manifestaram esse desejo - aquelas com mais de 500 mil contas de clientes ativas têm adesão compulsória.

O diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, João Manoel Pinho de Melo, disse, porém, que a data está mantida. "O Banco Central não altera data. É a data que nós temos", disse ele, durante evento da ABFintechs, associação que reúne fintechs brasileiras.

O Banco Original, pertencente à holding J&F, é uma das instituições que prevê estar pronta para o PIX já em setembro. "Vamos estressar nossa plataforma até setembro. Estaremos totalmente aptos em setembro para prover todos os serviços por trás da infraestrutura do PIX", revelou ao Broadcast o diretor de tecnologia da instituição, Raul Moreira.

Keep BigTech out of Finance

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Se nos Estados Unidos o projeto de lei Keep Big Tech out of Finance (na tradução livre: mantenha as gigantes de tecnologia fora das finanças) tentou afastar estes pesos pesados do setor financeiro, no Brasil, o que poderia 'assustá-las' é o olhar do BC. Embora ainda gere inúmeros questionamentos sobre se uma eventual regulação das bigtechs manteria o apetite desses grupos pelo setor financeiro, os desdobramentos junto ao WhatsApp mostram que as gigantes da tecnologia não terão vida tão fácil por aqui.

Um porta-voz de grandes nomes do setor de tecnologia no Brasil diz, porém, que esses grupos têm maturidade para conviver com o regulador como já acontece em outros segmentos em que atuam. "Não é crime você atuar naquilo que não tem regulação. O grande papel da tecnologia, da inovação, é fomentar o avanço, atuar em espaços como ninguém pensou como as coisas funcionariam", avalia ele, na condição de anonimato.

O chefe do WhatsApp, Will Cathcart, deixou claro nesta quinta-feira que não vai desistir da solução. Após se reunir com o presidente do BC, Roberto Campos, na quarta-feira, 24, disse que trabalhará em conjunto com parceiros e as autoridades brasileiras para restaurar o serviço 'rapidamente'. Admitiu, inclusive, que deve aderir ao PIX, como antecipou na quarta-feira o Broadcast.

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"O WhatsApp afirmou seu apoio a um modelo pró-competitivo e aberto para pagamentos e também seu compromisso em fornecer pagamentos via PIX tão logo o sistema esteja disponível", prometeu Cathcart.

Para o BC, a sinalização é como música aos ouvidos. A equação é bem simples: o PIX é novo e parte do zero. O WhatsApp está no celular de 120 milhões de pessoas. "O PIX decola com outra turbina se tem um Facebook dentro", atenta um executivo do setor.

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O assunto bigtechs divide opiniões. Para o advogado Alexei Bonamin, sócio do escritório TozziniFreire na área de Mercado de Capitais, Bancário e Operações Financeiras, não necessariamente o BC tem de regulá-las. "Nós já temos todo um ordenamento de prestação de intermediação financeira, de serviços financeiros, e qualquer empresa que entre vai ter de obedecer às normas já vigentes, então não vejo necessidade nem interesse do BC começar a regular as bigtechs", diz.

Na opinião do diretor de tecnologia do Banco Original, as bigtechs têm de receber tratamento igual ao dedicado aos pequenos entrantes. Moreira defende a importância de as gigantes da tecnologia respeitarem a legislação brasileira.

Procurado, o BC não quis comentar o tema./COLABOROU ANDRÉ ÍTALO ROCHA