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Tabaco ? a cadeia produtiva esquecida

Por Antônio Márcio Buainain e Hildo Meirelles de Souza Filho
Atualização:

Quando se menciona a inegável importância do agronegócio para a economia brasileira, as referências são a produção de soja, café, carnes, açúcar e álcool. O tabaco tem a imagem associada aos charutos baianos ou aos problemas de saúde ocasionados pelo uso contínuo do fumo. No entanto, o Brasil é hoje o maior exportador e o 2º maior produtor de tabaco do mundo. As exportações brasileiras, que correspondem a aproximadamente 95% da produção nacional, somaram US$ 2,7 bilhões em 2008, sendo superadas no agronegócio apenas pelo complexo soja, açúcar, café e carne bovina. A julgar pelo seu desempenho nos últimos anos, não será surpresa que o tabaco supere o café em futuro próximo. É paradoxal que a produção e exportação de tabaco brasileiro tenham prosperado num ambiente antitabagista sem precedentes. O Brasil, mesmo antes de ratificar a Convenção-Quadro, que prevê a adoção de medidas para reduzir a demanda de tabaco (principalmente por meio de elevação da carga tributária) e a oferta de produtos (combate ao contrabando e incentivos à substituição da cultura), já havia cortado o acesso dos produtores de tabaco aos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e adotado severa legislação de restrição ao uso e à propaganda do cigarro, assim como massivas campanhas antitabagistas. Em março, o governo federal anunciou novo aumento das alíquotas do IPI e do PIS/Cofins para cigarros, e o de São Paulo sancionou uma das mais duras legislações antifumantes já aprovadas no mundo. Apesar desse ambiente desfavorável, agravado pela concorrência desleal do contrabando, a produção brasileira de tabaco se expandiu no Sul - responsável por 95% da produção nacional - e o País é hoje o principal polo produtor/exportador de tabaco de qualidade. Qual é a chave para tal sucesso? O Sistema de Produção Integrado de Tabaco (Spit), coordenado por grandes e médias empresas tabaqueiras, em sua maioria braços de corporações multinacionais, que realizam operações de processamento e classificação em modernos parques industriais. As atividades dessas empresas incorporam diretamente quase 200 mil produtores rurais nos três Estados do Sul, a maioria minifundista, que dificilmente encontrariam viabilidade em outra atividade. Trata-se de um sistema de integração complexo, baseado em contratos de compra e venda da produção que são celebrados antes de cada ciclo, com cláusulas e compromissos que tratam da quantidade a ser produzida, dos mecanismos de precificação, da garantia de compra, da assistência técnica e do fornecimento de insumos pela empresa. Mas há também aquelas que tratam da proibição de uso de trabalho infantil e proteção ambiental. As empresas assumem ainda o papel de intermediadoras e avalistas de crédito rural aos produtores. Para as empresas, o Spit é uma organização-chave para reduzir incertezas e planejar o suprimento da matéria-prima, controlar a qualidade, a quantidade e os requisitos necessários ao atendimento das demandas das cigarreiras. Para o produtor, a integração oferece uma garantia de venda a preço previamente acordado, reduz o risco econômico numa atividade de risco muito elevado e viabiliza a produção para agricultores familiares que teriam dificuldade para empreender o negócio de outra forma. O produtor integrado tem ainda acesso a um seguro mutualista contra granizo, que é de fazer inveja ao combalido sistema brasileiro de seguro rural. O seguro é administrado pela Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), uma potente organização de representação dos produtores. O Spit parece estar na base da competitividade brasileira e não está isento de conflitos e contradições. No entanto, desenvolveu mecanismos próprios de gestão de desavenças e o fato de existir há 91 anos é evidência de que as convergências superam os conflitos. Ainda que nem tudo seja cor-de-rosa, o Spit oferece lições para a organização dos mercados em várias cadeias agroindustriais brasileiras que têm enorme potencial, mas que podem ser ameaçadas pela concorrência predatória entre empresas industriais e agricultores e pela falta de visão estratégica dos interesses da cadeia como um todo. Vale a pena aprender sobre integração competitiva com os produtores de tabaco do Sul do País. *Antônio Márcio Buainain (buainain@eco.unicamp.br) e Hildo Meirelles de Souza Filho (hildo@power.ufscar.br) são professores do Instituto de Economia da Unicamp e do Departamento de Engenharia da Produção da UFSCar

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