PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista

Opinião|Sabendo avaliar melhor os candidatos nas eleições, deixaríamos de pensar tanto em impeachment

Brasil prefere rejeitar governantes que cometeram crimes contra a economia do que um governo que atenta contra a vida e as instituições

Foto do author Laura Karpuska
Atualização:

Somavam-se 107 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro até abril deste ano, segundo a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara. Bolsonaro é um recordista. Fernando Henrique Cardoso contou com 24 pedidos; Lula, com 37; Temer, com 31; e Dilma, que foi impedida, com 68, segundo estudo da agência de jornalismo Pública.

Embora o número de processos de impeachment feitos contra um presidente, por si só, não defina quão provável é o impedimento, ele serve ao menos para mostrar algum incômodo causado pelo governante. E mais que isso: certamente esse número é relevante para os líderes do Congresso. Quanto mais processos de impeachment na gaveta, maior é o poder de barganha desses líderes. O impeachment é uma ferramenta institucional que regula os poderes do Executivo pelo Legislativo. Mas, como em toda interação estratégica, para que a ameaça funcione, ela deve ser crível. 

CPI mostrou provas contundentes de que o governo Bolsonaro fez escolhas erradas na condução da pandemia. Foto: Gabriela Biló/ Estadão

PUBLICIDADE

O que faz, então, um impeachment passar de uma possibilidade remota para algo factível? Para começar, o alinhamento dos líderes do Congresso com o Executivo. Esse alinhamento pode ser ideológico, ambos possuem agendas semelhantes, ou pode ser fisiológico, quando um dos grupos ou ambos expropriam o Estado em alguma medida. Mas esse tipo de alinhamento é condição importante, porém não é necessária, nem suficiente. Se o apoio popular do governo despenca, pode ficar muito caro para o Congresso apoiar o presidente, mesmo que tenha benefícios de curto prazo com isso. Com baixa popularidade, é muito difícil manter a governabilidade. Seja por incapacidade do Executivo, seja por capacidade política dos demais agentes políticos. Em Brasília, não há vácuo de poder. 

A importância do apoio popular ficou bastante clara durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Um cenário externo desfavorável e sucessivos erros de política econômica reduziram não apenas o nível da atividade econômica, mas também a confiança dos cidadãos e dos empresários, levando junto o apoio do povo ao governo. Dilma começou seu governo com 47% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha. Em junho de 2013, após as grandes manifestações, essa aprovação caiu para 30% e chegou a 10% em dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha, o então presidente da Câmara, deu encaminhamento ao processo de impeachment. 

Michel Temer foi um presidente impopular, governando com uma média de 7% de aprovação. Sua mínima chegou a 3%, depois do vazamento do áudio que mostrava conversa entre o então presidente e o empresário Joesley Batista. Faltou popularidade, mas sobrou habilidade política. Collor, nosso primeiro presidente eleito pelo voto direto democrático, e primeiro impedido, começou seu mandato com 71% de aprovação e deixou a cadeira presidencial com 9% de aprovação. E Bolsonaro?

Publicidade

Nesta última semana, a CPI mostrou provas contundentes de que o governo Bolsonaro fez escolhas erradas sobre como conduzir medidas contra a pandemia no País. Optou pela hidroxicloroquina, em vez de vacinas. Reportagem de 15 de junho do Estadão mostrou que o governo Bolsonaro buscou ativamente o medicamento, em contraposição estridente em relação à inação perante a vacina. Sem falar do discurso antimáscara, dos incentivos a aglomerações e de outros tantos atentados às instituições. No entanto, sua aprovação se mantém relativamente alta, perto dos 30%.

O nível de aprovação de um governo que, deliberadamente, negou a ciência e tomou decisões que culminaram na morte de mais brasileiros é preocupante. O Brasil escolhe rejeitar mais governantes que cometeram crimes contra a economia, como foi o caso de Dilma e de Collor, ou rejeitar presidentes que subiram ao poder depois de um impeachment, como foi o caso de Temer, do que um governo que atenta contra a vida e as instituições. 

Se não mudarmos nossas prioridades quando avaliamos um governante, nunca nos encontraremos em uma situação feliz nas eleições. Sabendo priorizar o que realmente importa – a vida e instituições saudáveis –, teremos melhores opções nas urnas e ficaremos menos desesperados em busca de uma terceira via. Afinal, as vias usuais serão representativas das nossas vontades. E também deixaremos de pensar tanto em impeachment. Se o presidente será impedido, eu não sei. Não sei também se isso seria o melhor para o País. Talvez o ideal seria os brasileiros se livrarem de Bolsonaro nas urnas. Mas será que Bolsonaro vai deixar isso acontecer?

*É ECONOMISTA

Opinião por Laura Karpuska
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.