Publicidade

Tarde demais

Por ANÁLISE: Zeina Latif , CONSULTORA , DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP , ANÁLISE: Zeina Latif , CONSULTORA e DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP
Atualização:

Sobram razões para o aumento da volatilidade nos mercados. O principal pano de fundo é a incerteza quanto aos passos do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), que sempre foi um gatilho para nervosismo e ajustes significativos de preços de ativos. Desta vez, com um agravante: o experimentalismo na gestão da política monetária nos Estados Unidos e seus efeitos não intencionais adicionam grandes incertezas na construção de cenários. Não se trata, portanto, apenas de decifrar as intenções do comitê de política monetária do BC americano (Federal Open Market Committee). Os próprios membros do Fomc se mostram divididos e todos precisarão aguardar a evolução da economia para ter maior clareza sobre quando reorientar a política monetária. Assim, parte da volatilidade deve perdurar por um bom tempo.O quadro doméstico contribui para aumentar de forma sensível a instabilidade, castigando mais os preços de ativos do País. Enquanto, no passado, as ondas de nervosismo do ambiente externo batiam em uma baía rasa e com fundo liso, perdendo sua energia, agora as ondas ganham força por causa de terreno profundo e acidentado. Antes o Brasil caminhava para o grau de investimento, agora corre o risco de perdê-lo.Analistas falam em choque de credibilidade na gestão da política econômica do governo para afastar o risco de cenários mais preocupantes. Afinal, o nervosismo do mercado financeiro contamina a economia, seja pela deterioração da confiança de empresários e investidores, numa economia frágil, seja pelo estrago das oscilações cambiais sobre a inflação já no teto da meta. O choque de credibilidade teria de ser bastante profundo, pois ganhos de reputação são conquistas lentas. Exigem disciplina e persistência do gestor, aliada à comunicação transparente de estratégias e de objetivos. Não parece haver clareza suficiente do governo sobre diagnósticos e ações necessárias e, além disso, o ciclo político influencia a tomada de decisões.Choques de credibilidade não combinam com segunda metade de mandato, muito menos com antecipação de eleição. O governo, ainda que sentindo a piora do ambiente, parece preferir ajustes mais moderados, colhendo o já conhecido mix de crescimento baixo e inflação alta, a correr o risco de ajustes profundos com efeitos desconhecidos no horizonte de um ano. A questão é saber se ajustes moderados serão suficientes para proteger o País das ondas externas. É possível, mas não o mais provável.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.