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TCU arquiva representação do MP que questionava multas e acordos firmados pelo Cade com empresas

A ação do Ministério Público alegava que o Cade estaria aplicando multas mais baixas do que determina a legislação

Foto do author Lorenna Rodrigues
Por Guilherme Pimenta e Lorenna Rodrigues (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta quarta-feira, 23, por cinco votos a dois, arquivar uma representação do Ministério Público junto ao Tribunal que questionava a base de cálculo de multas e acordos firmados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com empresas e pessoas físicas.

O processo chegou ao TCU após uma representação do Ministério Público que atua junto ao tribunal, por meio do procurador Júlio Marcelo de Oliveira. Na ação, ele alegou que, ao firmar os acordos que encerram as investigações contra as empresas, chamados de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), o Cade estaria aplicando multas mais baixas do que determina a legislação.

MP junto ao TCU pediu para o órgão apurar irregularidades especialmente em acordos firmados pelo Cade com empresas investigadas na Operação Lava Jato Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - 9/8/2019

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A lei da concorrência prevê que a multa aplicada pelo Cade seja de até 20% do faturamento da empresa e que nunca pode ser “inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação”. Essa discussão de como calcular a vantagem que a empresa levou com a formação de um ilícito como um cartel, por exemplo, é travada entre integrantes do próprio conselho há anos e ocorreu também durante o julgamento dos processos da Lava Jato citados pelo procurador. A maioria do conselho, no entanto, votou pelo pagamento de valores calculados apenas sobre o faturamento das empresas.

A jurisprudência majoritária do Cade é de não aplicar a vantagem auferida na hora de calcular multas e firmar acordos, mas uma ala do conselho tem conseguido emplacar a tese em alguns julgamentos nos últimos três anos.

Na ação, o MP junto ao TCU pediu para o órgão apurar irregularidades especialmente em acordos firmados pelo Cade com empresas investigadas na Operação Lava Jato, como Odebrecht, OAS, Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez. Conselheiros do órgão apontam que as vantagens obtidas pelas corporações com atos ilícitos foram muito maiores do que as punições sofridas.

O procurador citou o julgamento de 16 TCCS relacionados à Lava Jato em novembro de 2018, quando os acordos levaram ao pagamento de um total de R$ 897,932 milhões. Ele também menciona reportagens e estudos que apontaram que as empresas pagaram, no caso, valores abaixo do esperado. No julgamento, foi definido que a Odebrecht pagaria R$ 578,1 milhões, em seis processos diferentes. A construtora OAS propôs o pagamento de R$ 175,1 milhões, a Andrade Gutierrez, R$ 75 milhões, e a Carioca Engenharia, de R$ 68,9 milhões.

No julgamento desta quarta, o ministro-relator do processo, Augusto Sherman, votou para recomendar que o Cade justificasse o motivo de não aplicar a "vantagem auferida" na hora de firmar os acordos e aplicar multas às empresas e pessoas físicas. Ele foi acompanhado somente pelo ministro André Luís de Carvalho.

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No entendimento de Sherman, o órgão antitruste não pode “simplesmente afastar a lei mediante a jurisprudência atual”. “Se não é possível fazer a estimação [da vantagem auferida], se juridicamente não é seguro, que isso conste no processo administrativo em que a decisão foi tomada, dentro das circunstâncias que entender como fazer”, votou o ministro.

O ministro-revisor, Bruno Dantas, divergiu do relator. Segundo ele, o programa de acordos do Cade, tanto o de leniência como o de TCCs, é um dos únicos que funciona no Brasil e é reconhecido no mundo inteiro. Seu voto foi seguido pelos ministros Antonio Anastasia, Jorge Oliveira, Vital do Rêgo e Walton Alencar Rodrigues. Todos consideraram que uma eventual recomendação do Tribunal poderia trazer incertezas às políticas administrativas do órgão antitruste.

“Seria um péssimo exemplo o TCU iniciar uma tentativa de aperfeiçoamento dos acordos de leniência pela única instituição que tem um programa estruturado e fundamentou bem suas premissas”, votou o ministro, que teceu críticas ao Ministério Público Federal em seu voto.

O procurador-chefe do Cade, Rodrigo Belon, afirmou ao Broadcast que a decisão do TCU é acertada, já que não interfere na política do Cade e, logo, no “exitoso programa de acordos” da autarquia. “É importante ressaltar que a atual sistemática do Cade mantém uma ameaça crível de punição aos agentes de mercado que participem de cartel ou outra conduta anticompetitiva, mitigando riscos de sobrepreço que ao final são transferidos ao consumidor”, afirmou.

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Segundo ele, a tese da “vantagem auferida” não comporta um “simples exercício cartesiano”. “Por ser um conceito jurídico indeterminado ele admite modulação na interpretação a depender das peculiaridades de cada caso concreto, das evidências apuradas no processo sancionador e da efetividade que se pretende de uma decisão”, falou o procurador, que defendeu o Cade no processo.

"A atividade do Cade vai além da aplicação de multas sobre cartéis e condutas anticompetitivas. Trata-se, ao final, de sinalizar ao mercado o que se entende por lícito ou ilícito num ambiente de concorrência saudável, uma espécie de 'supra-regulação' transversalmente aplicada aos mais diferentes setores da economia que visa garantir uma percepção de segurança jurídica que permita o investimento privado e o desenvolvimento econômico, em prol da sociedade brasileira”, afirmou o procurador.

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