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Teletrabalho e o acidente do trabalho

A ‘culpa do empregador’, para caracterização do acidente a distância, deve ser vista com cautela

Por Eduardo Pastore e Sônia Machado
Atualização:

Teletrabalho é todo trabalho executado valendo-se de meios telemáticos para tal. E o trabalho em home office, aquele executado em casa, é uma das espécies do gênero teletrabalho. Portanto, sendo espécie do gênero, home office é o teletrabalho executado na casa do empregado, também denominado de trabalho no domicílio. Feitas essas considerações, ponderamos sobre o acidente do trabalho ocorrido no domicílio do empregado. Este poderia ser considerado, pelo simples fato de ter ocorrido na casa do empregado, doença ocupacional, sinônimo de acidente de trabalho? Acreditamos que não.

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Quanto à questão indenizatória, e partindo-se do disposto no artigo 7.º da Constituição federal, inciso XXVIII, a responsabilidade do empregador quanto ao acidente do trabalho é subjetiva, ou seja, para que esta seja caracterizada, há que comprovar a culpa do empregador.

Um dos requisitos legais para a comprovação do acidente do trabalho, quer seja ele presencial ou a distância, inclusive em home office, é a culpa direta da empresa na ocorrência do fato.

Além deste fato, o trabalho em home office não é uma extensão do local de trabalho presencial. A casa não pode ser considerada, por analogia, extensão da empresa. É localidade diversa e com características próprias.

Um dos requisitos legais para a comprovação do acidente do trabalho é a culpa direta da empresa na ocorrência do fato. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Desse modo, o elemento “culpa do empregador”, para a caracterização do acidente de trabalho a distância, deve ser visto com cautela. Exemplo: o trabalhador em home office escorregou quando se dirigia à cozinha durante o horário em que estava exercendo atividade profissional. Pode ser considerado acidente de trabalho só por estar em horário de expediente? Não há como concluir que, pelo fato de o trabalhador estar em casa à disposição do empregador, daí decorra diretamente a presunção de acidente do trabalho e a responsabilidade objetiva da empresa, principalmente por causa da impossibilidade de o empregador fiscalizar o empregado, como se presente estivesse nas dependências da empresa.

A responsabilidade objetiva da empresa no acidente de trabalho, portanto, inclusive o ocorrido a distância, somente poderá ser aplicada nas atividades relacionadas expressamente em lei, como é o caso das atividades de risco. Nestas se presume, caso a empresa não cumpra, por exemplo, a obediência das Normas Regulamentadoras (NRs), que a responsabilidade caiba ao empregador, que deveria ter cumprido as exigências descritas em lei, mesmo com o empregado em home office.

Ou seja: os empregadores não estão desobrigados de cumprir as Normas Regulamentadoras em relação aos empregados em home office. E aqui se insere a covid-19, que não pode ser presumidamente adquirida no exercício do trabalho, presencial ou virtual. Logo, o contágio pela covid-19 não pode configurar culpa objetiva da empresa, o que lhe conferiria a caracterização de acidente do trabalho. Isso porque a covid-19 pode ser adquirida em outros ambientes e se manifestar no ambiente do trabalho, não significando que foi adquirida neste, nem em razão do exercício do trabalho, a não ser nos casos excepcionais da lei.

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Quanto à aplicação das Normas Regulamentadoras ao trabalho em home office, estas devem ser obedecidas e adaptadas a esta condição, visto serem normas de ordem pública. A Lei 13.467/17 já prevê a obediência às questões ergonômicas, indo na direção da macroergonomia, que extrapola os aspectos de adequação de mobiliário, inclusive. É de suma importância que a empresa oriente seus empregados quanto à obediência das NRs, oferecendo a estrutura necessária para seu empregado.

Portanto, não há que falar em culpa objetiva e responsabilidade genérica, impondo à empresa o acidente do trabalho, quando esta concedeu ao seu trabalhador todos os meios para assegurar a execução de suas atividades, inclusive em home office. Até porque não é assim que entendem a Constituição federal e legislação ordinária.

*RESPECTIVAMENTE, MESTRE EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS PUC/SP E DOUTORA EM DIREITO PELA USP, MEMBRO DA ACADEMIA NACIONAL DE DIREITO DO TRABALHO (CADEIRA 32)

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