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Terceiros mandatos

Por Marcelo de Paiva Abreu
Atualização:

O presidente Lula parece muito entretido com cálculos políticos quanto a terceiros mandatos. Pode ser o seu terceiro mandato, em seguida ao atual mandato. Pode ser simplesmente o terceiro mandato sucessivo em que a coalizão governista elegeria o presidente, com Lula encerrando a sua carreira presidencial. Pode ser cálculo político bem mais complexo, em que o presidente esteja considerando a candidatura nas eleições de 2014 e ponderando qual seria o presidente no interstício 2011-2014 mais conveniente para que fosse assegurado o seu regresso ao Planalto. Para aqueles com memória mais longa, esse terceiro cenário tem parentesco com a estratégia JK 65, adotada pelo presidente Kubitschek nas eleições de 1960, quando sacrificou a candidatura Henrique Lott, de olho nos braços do povo em 1965. A sólida reputação estabelecida pelo presidente na sucessiva incineração consentida de figuras de proa da coalizão governamental - Dirceu, Palocci, Dilma - combina bem com cálculo desse tipo. A hipótese mais calamitosa é a do seu terceiro mandato sucessivo com todas as implicações indesejáveis quanto à perpetuação no poder e à consolidação do Brasil como país onde não há regra estável nem para a eleição do presidente da República. O cenário comportado, de recuo de Lula para o fundo da quadra, seria talvez o melhor para o País, mas não é muito provável. Permanecem vivas as especulações quanto a Lula em 2014 com um presidente manipulável no interregno. O espaço ocupado por essa agenda sucessória nas maquinações presidenciais tem, hoje, conseqüências importantes para o estilo de atuação do governo. Indica a predisposição de Lula ao exercício do poder pelo poder e torna ainda mais remotas as possibilidades de que o presidente consiga ir além da combinação de um compromisso com a estabilidade - cada dia mais morno - e com o aprimoramento de mecanismos de transferências de renda que se revelaram eleitoralmente eficientes. Enquanto isso, o País perde a melhor oportunidade que jamais teve de assegurar condições para crescer de forma rápida e sustentada. Algo que possibilitaria sanar as desigualdades sociais e tornar substantivo o compromisso com a democracia no cotidiano dos cidadãos. Em que outro momento o Brasil enfrentou condições tão favoráveis para o desenvolvimento sustentado de sua economia e a criação de margem de manobra para a solução de seus problemas estruturais? Alguns pensariam na primeira década do século passado, antes de 1913. Mas a prosperidade de então era fruto da combinação de endividamento externo com a "valorização" do café e o boom da borracha, que logo se revelaria vulnerável à borracha asiática. Outros poderiam pensar no pós-2ª Guerra Mundial, quando o Brasil parecia dispor de reservas cambiais substanciais e tinha esperanças de apoio financeiro dos EUA. Mas boa parte das reservas era inconversível e a "escassez de dólares", combinada à indiferença norte-americana, mostrou que a oportunidade era ilusória, a despeito da alta dos preços do café. Muitos pensarão no "milagre", de 1968 a 1973, quando o Brasil cresceu a taxas próximas de 10% ao ano. Mas, com risco de abusar da visão retrospectiva, o significativo sucesso - beneficiado por condições extremamente favoráveis na economia mundial - abriu espaço para a complacência quanto ao uso de instrumentos discricionários em benefício de interesses setoriais, ao papel do endividamento externo e à vulnerabilidade energética da economia. Foi como se a ilusão de crescimento continuado justificasse a inapetência por reformas estruturais. A própria natureza do regime militar, com suas implicações quanto ao papel do Estado a ambiciosos projetos sem justificativa econômica adequada e à centralização do processo decisório, comprometia a sustentabilidade da estratégia econômica em um futuro regime democrático. Hoje o Brasil dispõe de condições extremamente favoráveis para deixar para trás longa história de carências econômicas e sociais. Existem problemas quanto à solidez dos partidos e à disseminação da corrupção, mas o regime democrático está consolidado e foi testado pela alternância no exercício do poder de diferentes coalizões políticas. A condução prudente da política macroeconômica tem resistido, ainda que assediada por toda a sorte de críticas basbaques oriundas da própria coalizão governamental, por comentários equivocados de ministros canhestros e por opiniões supostamente abalizadas que nada parecem ter aprendido com os erros do passado. Ao choque externo favorável, que afetou as exportações de minerais e de alimentos, se somaram as notícias auspiciosas sobre recursos petrolíferos que transformarão o Brasil, pela primeira vez em sua história, em exportador líquido de energia. Em um mundo em crise, o Brasil estaria em posição privilegiada, se o governo fosse capaz de formular estratégia adequada para explorar o cenário favorável. O que está faltando é que o presidente inverta as prioridades da sua agenda, abandone o palanque permanente, pense menos em terceiros mandatos e mais em como vai ser aproveitada a melhor oportunidade que se abriu ao País para superar o subdesenvolvimento em todas as suas manifestações. Mas do jeito que a coisa vai parece que a oportunidade não vai ser aproveitada e prevalecerá a velha tradição de transformar eventos favoráveis em um festival de benesses distribuídas em favor dos que têm efetivo poder de barganha. *Marcelo de Paiva Abreu, doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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