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Terra de cego

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Por Redação
Atualização:

Mais uma agência de avaliação de risco decidiu aumentar a nota atribuída ao Brasil. Depois da Fitch e da Moody's, foi a vez da Standard & Poor's (S&P). O País está agora com nota acima da mínima requerida para que seus títulos tenham grau de investimento. Quando se leva em conta que a solvência da dívida soberana de boa parte dos países europeus passou a ser posta em dúvida, a reclassificação parece perfeitamente justificável. Mas o ímpeto comemorativo deve ser contido. É muito mais o mundo piorando do que o Brasil melhorando.Causa espanto que a S&P tenha afirmado que a administração austera das contas públicas pelo governo federal foi um ponto fundamental na decisão de reclassificar o Brasil. Há que ver as coisas como elas são. Quando se analisa o período de 12 anos ao longo do qual se consolidou o regime de política macroeconômica que emergiu da crise de 1999, o último triênio se destaca pela flagrante deterioração do compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Basta rememorar os fatos.Em 2008, o governo já vinha dando todos os sinais de que estava propenso a relaxar a política fiscal. A crise financeira mundial foi o pretexto que faltava. A bandeira da política fiscal contracíclica, hasteada em 2009, continuou tremulando em 2010, quando a economia já estava em vigorosa recuperação. Havia uma eleição presidencial a vencer e o governo não estava disposto a brincar em serviço. O resultado foi o que se viu. Sucesso eleitoral retumbante à custa de uma economia sobreaquecida - quase 8% de crescimento do PIB em 2010, informa-nos agora o IBGE - e inflação bem acima da meta durante a primeira metade do atual mandato presidencial.O pior foi o meticuloso processo de desconstrução institucional que o governo promoveu para viabilizar a farra fiscal. Montou-se no BNDES gigantesco orçamento paralelo, alimentado por transferências maciças de recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública. Entre 2008 e 2011, foram transferidos ao banco nada menos que R$ 285 bilhões. Por fora do processo orçamentário e sem contabilização nas estatísticas de dívida líquida. O BNDES foi convertido no principal canal da expansão fiscal observada nos últimos anos. Embora todos os recursos provenham do Tesouro, convivem hoje no governo federal dois mundos completamente distintos. Contam-se os centavos no Orçamento da União e vive-se um clima de fausto no BNDES, onde parece haver dinheiro para tudo.É preciso também lembrar que, em meio à euforia da farra fiscal do ano passado, o governo se permitiu todo tipo de adulteração contábil para conseguir exibir contas públicas minimamente apresentáveis. No pior momento desses excessos, na operação de capitalização da Petrobrás, deu-se ao luxo de recorrer a prodigiosa alquimia que transformava emissão de dívida pública em melhora do superávit primário.O novo governo, com a mesma equipe, percebeu que tal descalabro teria de ser moderado. Mas não quis abrir mão do orçamento paralelo. Insistiu em transferir mais R$ 55 bilhões ao BNDES em 2011. Comprometeu-se apenas com uma meta "cheia" de superávit primário, sem recurso a artifícios contábeis. E, para isso, anunciou um corte de gastos que, de fato, vai significar tão somente expansão menos extremada do dispêndio primário em 2011.A meta de superávit primário será cumprida graças a novo e espetacular aumento da arrecadação, que deverá implicar aumento de pelo menos 1,5 ponto porcentual do PIB na carga tributária em 2011. Mas o regime fiscal que vem exigindo aumento sem-fim da carga tributária continua intocado. A agenda de reforma fiscal foi simplesmente abandonada. E é improvável que venha a ser retomada neste mandato presidencial.Quem, porém, quiser achar que não é o mundo que piorou, e, sim, o quadro fiscal brasileiro que melhorou, pode comemorar a reclassificação do País e até acreditar no inabalável compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. O direito à autoilusão é sagrado.

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