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Terra indígena inviabiliza usina

Área onde seria erguida usina de São Luiz do Tapajós é dos mundurucu, segundo decreto

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - O plano de construção de um complexo hidrelétrico no meio da Amazônia, previsto para ser erguido numa área preservada do Rio Tapajós, recebeu um tiro de misericórdia. O disparo partiu da Fundação Nacional do Índio (Funai), por meio da publicação nesta terça-feira, 19 – Dia do Índio –, no Diário Oficial da União, de documentos técnicos que reconhecem que há terras indígenas na região.

A decisão da Funai se opõe ao discurso que a cúpula do setor elétrico repetiu nos últimos cinco anos, garantindo que não havia terras de povos tradicionais na região. Por lei, é proibido construir qualquer hidrelétrica quando seu reservatório alaga terras indígenas demarcadas. Agora, com o posicionamento da Funai, o reconhecimento torna-se oficial.

Índios do território Sawré Maybu, em 2014, invadiram escritórios da Funai exigindo demarcação das terras Foto: Lunae Parracho|Reuters

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Em seu relatório, a autarquia vinculada ao Ministério da Justiça não só reconhece a terra indígena Sawré Maybu, área dos índios mundurucu, localizada entre Itaituba e Trairão, no Pará, como estabelece um território de 178 mil hectares para demarcação. Sua efetivação, no entanto, ainda depende de um decreto presidencial que só poderá ser publicado daqui, no mínimo, 90 dias, prazo aberto ao recebimento de dúvidas e contestações.

“Se vai ter esta ou aquela obra, é uma questão que está posta, mas nós não podemos negar o direito do povo mundurucu e da terra indígena. Aquele é um território tradicional, a Funai não pode abrir mão de reconhecer esses direitos”, disse João Pedro Gonçalves da Costa, presidente da Funai desde junho do ano passado. “É inaceitável e inadmissível negar a tradicionalidade, a presença histórica do povo no Tapajós. Não dá.”

Custo ambiental. A confirmação da terra indígena inviabiliza o maior projeto hidrelétrico do governo. Estimada em R$ 32 bilhões, São Luiz do Tapajós geraria, em média, 4.012 megawatts por ano, quase o mesmo que Belo Monte, que está em construção no Rio Xingu, também no Pará. Sua capacidade responde sozinha por 47% de toda geração dos empreendimentos hidrelétricos previstos para serem construídos nos próximos dez anos, energia suficiente para abastecer mais de 20 milhões de domicílios. Seu custo ambiental, no entanto, é brutal.

Não se trata apenas de atingir terras indígenas. A previsão é de que uma área de 729 quilômetros quadrados de mata virgem fique embaixo d’água, o equivalente à cidade de Campinas (SP). Belo Monte, por exemplo, mesmo com toda a polêmica em torno de seu impacto ambiental, inundou 503 km².

Leilão. No fim de 2014, o governo chegou anunciar que faria o leilão de São Luiz, embora não tivesse nenhuma licença ambiental. Dias depois, voltou atrás e cancelou o plano. Desde então, a crise econômica e os escândalos de corrupção envolvendo as grandes empreiteiras solaparam as chances de leiloar o empreendimento bilionário.

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Para o antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Tiago Moreira, a posição da Funai põe um ponto final no assunto. “É uma decisão fundamental para o povo mundurucu, que teve seu território fragmentado décadas atrás. A usina não tem condições de sair.”

Em 2014, a pressão do governo para segurar a demarcação foi tanta que custou a saída de Maria Augusta Assirati do comando da Funai. Maria Augusta cobrava agilidade no processo, que espera definição há pelo menos seis anos.

O Grupo de Estudos Tapajós, formado por empreiteiras interessadas no projeto, não foi encontrado pela reportagem. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que tem conduzido o licenciamento da usina, também não se pronunciou. Para Jairo Saw Mundurucu, líder da etnia no Tapajós, o relatório é uma “conquista histórica”. “Estamos fortalecidos.”