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Tesla na rota de uma crise de liquidez

O caminho à frente da empresa automobilística de Elon Musk parece mais perigoso do que se previa inicialmente

Por The Economist
Atualização:

"Estamos tristes em informar que a Tesla faliu completa e totalmente." Foi o que tuitou Elon Musk, chefe da empresa de carros elétricos, no dia 1.º de abril. Ele até mesmo postou uma foto de si mesmo, supostamente bêbado e inconsolável, como prova. Era uma piada do dia da mentira, mas a brincadeira saiu pela culatra. Está desconfortavelmente próxima da verdade. A principal fabricante de veículos elétricos dos Estados Unidos está sob pressão. Musk está enfrentando batalhas em muitos fronts e todos eles exacerbam sua principal ameaça: um aperto financeiro que poderia, no final, empurrar a Tesla ao seu limite.

Musk e um dos carros elétricos da Tesla, que enfrenta gargalos na linha de produção Foto: Reuters - 16/11/2017

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Mesmo os acionistas da Tesla, que raramente são desencorajados por más notícias, estão nervosos. Suas ações caíram 16% desde o fim de fevereiro, mais acentuadamente depois que um Tesla usando o software Autopilot da empresa colidiu com uma barreira de estrada na Califórnia em 23 de março, matando o motorista e levantando dúvidas sobre a segurança de seu sistema para condução semiautônoma. O acidente está sendo investigado pelas autoridades.

Os problemas continuaram a se acumular no dia 28 de março, quando um juiz de Delaware decidiu permitir que uma ação de acionistas fosse instaurada contra Musk e o conselho da Tesla, sobre suposta negligência envolvendo a aquisição de US$ 2,6 bilhões em 2016 da SolarCity, uma problemática empresa de energia solar administrada por primos de Musk. E em 29 de março, a empresa anunciou um recall de cerca de 123 mil veículos mais antigos que podem ser suscetíveis à corrosão de um parafuso que afeta a direção e o estacionamento. Tais recalls são comuns em todas as outras montadoras do mundo. Mas no caso da Tesla isso reforça a visão de que a empresa é muito melhor no desenvolvimento da sofisticada tecnologia que sustenta seus carros do que em dominar o negócio monótono de produzi-los em quantidade.

Até recentemente, a Tesla produzia apenas um pequeno número de custosos carros movidos a bateria de longo alcance. Seu Model S saloon custa a partir de US$ 74,5 mil e seu veículo utilitário esportivo Model X é ainda mais caro. Mas Musk apostou no futuro de sua empresa na produção em massa de carros mais baratos. O novo Model 3, um sedã menor, custando apenas US$ 35 mil, com um alcance superior a 320 quilômetros, atraiu mais de 400 mil depósitos de US$ 1 mil cada de ansiosos clientes. Grande parte da receita futura esperada de sua empresa e sua alta avaliação (está em cerca de US$ 49 bilhões, mesmo depois da queda do preço das ações) dependem da rápida expansão na escala de produção.

Infelizmente, a Tesla foi repetidamente malsucedida em atingir suas próprias metas. Em julho de 2017, Musk declarou que sua empresa estaria produzindo 20 mil Model 3 por mês até dezembro daquele ano. Na verdade, conseguiu produzir menos de 2,5 mil em todo o último trimestre de 2017. Ele prometeu produzir 2,5 mil Model 3 por semana até o final de março, aumentando para 5 mil por semana até o final de junho. Apesar dos esforços sobre-humanos dos trabalhadores e gerentes (Musk supervisiona pessoalmente a produção do novo modelo e alega estar dormindo na fábrica), em 3 de abril a Tesla confirmou que está produzindo apenas cerca de 2 mil Model 3 por semana.

As expectativas estavam tão baixas entre analistas e investidores que o preço da ação da Tesla se recuperou depois desse anúncio. Passando por cima do fato de mais uma vez não ter conseguido atingir seu objetivo prometido, a empresa se vangloriou de que a linha de montagem do Model 3 agora fornece "o crescimento mais rápido de qualquer empresa automotiva na era moderna". Se a taxa de crescimento da produção da Tesla continuar, afirmou, "vai superar até mesmo o da Ford e do Modelo T".

Tal arrogância não resiste a um exame minucioso. A Tesla está enfrentando gargalos na produção de baterias em sua "gigafábrica" em Nevada, bem como com na montagem do Model 3 em sua unidade de Fremont, Califórnia. O problema central é que Musk tornou muito mais complexa a já difícil tarefa de fabricar um carro para o mercado de massa. Em vez de confiar nos métodos de fabricação já testados pelo tempo e adotados pela concorrência estabelecida, que usam pessoas para fazer tarefas para as quais as máquinas ainda não são adequadas, ele quer que sua fábrica de automóveis seja uma "máquina que fabrica máquinas", repleta de robôs e mantendo o envolvimento humano no mínimo.

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Os funcionários da fábrica de Fremont descrevem um local de trabalho caótico no qual os ideais de ágil inovação e automação robótica do Vale do Silício colidem com as realidades pouco sedutoras da fabricação de carros, do uso seguro de empilhadeiras no chão de fábrica à destreza na inserção de peças plásticas no interior de carros. Max Warburton, da Bernstein, uma firma de pesquisa de ações, argumenta que as grandes montadoras globais perceberam - devido à amarga experiência com tentativas anteriores excessivamente zelosas de automação - que uma mistura sensata de homens e máquinas produz a mais eficiente montagem de carros por enquanto.

Mesmo que o sonho de Musk de transformar sua fábrica em um "encouraçado alienígena" de produção em massa automatizada realmente aponte para uma maneira melhor de fazer carros, ele pode ficar sem dinheiro antes de comprovar sua tese. A Tesla perdeu mais de US$ 2 bilhões em 2017. Bem antes de confirmar a última meta de produção perdida, os investidores se preocuparam com a taxa de gastos, superior à entrada de dinheiro, da empresa em 2018. Além dos US$ 2 bilhões de capital que podem ser necessários para expandir a produção do Model 3, a Tesla tem cerca de US$ 1,2 bilhão em dívida conversível vencendo no início do próximo ano. Em 27 de março, a Moody's, agência de classificação de crédito, rebaixou a dívida da Tesla, alertando que a empresa "provavelmente precisará levantar capital adicional durante o segundo semestre de 2019". Jefferies, um banco, prevê que a Tesla precisará de US$ 2,5 bilhões a US$ 3 bilhões este ano.

A Tesla sustenta que não há uma crise iminente de liquidez. Em comunicado divulgado no dia 3 de abril, a empresa insistiu que "não será necessário um aumento de capital ou dívida este ano, além das linhas de crédito padrão". Outros acreditam que o momento da verdade pode chegar muito mais cedo, talvez no verão (junho a setembro no hemisfério norte). Sempre que chega, a questão é saber em que tipo de ambiente a Tesla vai captar dinheiro. O aumento das taxas de juros, o preço instável das ações e a contínua falta de capacidade de cumprir suas próprias metas de produção conspirariam para dificultar a tarefa da empresa de levantar capital. Pouco ajuda o fato de que a General Motors, a Volkswagen e outros grandes concorrentes estejam fazendo enormes investimentos em veículos elétricos.

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Muitos acionistas mantêm sua crença na capacidade de Musk de inverter o senso comum. Mas muitos vendedores a descoberto ainda estão apostando na morte da empresa e os investidores de renda fixa, que tendem a estar mais interessados em recuperar seu dinheiro do que em mudar o mundo, estão ficando cada vez mais impacientes. O preço dos títulos de alto risco da Tesla está bem abaixo do nível em que foram emitidos no ano passado. Em outro tuíte esta semana, Musk resumiu o assunto desta forma: "O setor de veículos é infernal". Desta vez ele não estava brincando. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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