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Por que as novas tecnologias não estão nos tornando mais produtivos?

Crescimento da produtividade desde o início da pandemia nos EUA permanece em cerca de 1% ao ano, muito abaixo do período de 1996 a 2004, quando foi de mais de 3% ao ano

Por Steve Lohr
Atualização:

Durante anos, tem sido uma crença no ambiente corporativo americano que a computação em nuvem e a inteligência artificial irão fomentar um aumento na produtividade que gera riqueza. Essa convicção inspirou uma enxurrada de financiamentos de risco e despesas de empresas. E a recompensa, insistem seus defensores, não se limitará a um pequeno grupo de gigantes da tecnologia, mas se espalhará por toda a economia.

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Isso ainda não aconteceu.

A produtividade, que é definida como o valor das mercadorias produzidas e serviços realizados por hora de trabalho, caiu consideravelmente no primeiro trimestre deste ano, informou o governo americano este mês. Os números do trimestre costumam ser voláteis, mas o relatório parecia acabar com as esperanças anteriores de que um renascimento da produtividade finalmente estava acontecendo, ajudado pelo investimento acelerado em tecnologias digitais durante a pandemia.

CarMax, a maior varejista de carros usados dos EUA, começou a testar o software da Cresta em dezembro Foto: Matt Eich/ The New York Times

O crescimento da produtividade desde o início da pandemia atualmente permanece em cerca de 1% ao ano, em sintonia com a taxa precária desde 2010 – e muito abaixo do último período de melhoria robusta, de 1996 a 2004, quando a produtividade cresceu mais de 3% ao ano.

As economias crescem não apenas por meio da adição de mais capital e trabalho. Outro ingrediente vital é a capacidade de uma nação criar e comercializar inovação, o que torna o investimento e os trabalhadores mais produtivos.

Aparentemente, ganhos percentuais pequenos na produtividade podem fazer uma grande diferença na riqueza e nos padrões de vida de um país ao longo do tempo. Até mesmo um aumento anual adicional de 1% na produtividade ao longo de alguns anos, até 2024, geraria US$ 3.500 a mais em renda per capita para os americanos, calculou um relatório do ano passado da McKinsey & Co. O ganho médio anual de 3,8% de 1948 a 1972 foi o motor da prosperidade pós-guerra dos Estados Unidos.

A produtividade não é uma cura para todos os males econômicos. “Mesmo que o otimismo em relação a essa onda de tecnologia digital se revele justificável, isso não significa que haverá um compartilhamento real dos benefícios”, disse Laura Tyson, professora da Escola de Negócios Haas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e presidente do Conselho de Consultores Econômicos do governo Clinton.

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Mas uma economia menos produtiva é uma economia menor e com menos recursos para lidar com desafios sociais como a desigualdade.

O atual quebra-cabeça da produtividade é objeto de acalorado debate entre os economistas. Robert Gordon, economista da Universidade Northwestern, é o líder dos céticos. Segundo ele, a inteligência artificial de hoje é essencialmente uma tecnologia de reconhecimento de padrões, lendo de forma atenta vastos tesouros de palavras, imagens e números. Suas façanhas, de acordo com Gordon, são “impressionantes, mas não transformadoras” do modo como foram a eletricidade e o motor de combustão interna.

Erik Brynjolfsson, diretor do Laboratório de Economia Digital da Universidade Stanford, é o líder do lado dos otimistas. Ele confessa estar um pouco decepcionado com o fato de a melhoria da produtividade ainda não ser evidente, porém está convencido de que é apenas uma questão de tempo.

“Mudanças reais estão acontecendo. Um maremoto de transformação está em curso”, disse Brynjolfsson. “Estamos vendo cada vez mais constatações disso.”

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Provavelmente levará anos até haver uma resposta definitiva para o debate sobre produtividade. Brynjolfsson e Gordon fizeram uma “aposta de longo prazo” no ano passado, com o resultado a ser declarado no final de 2029. Entretanto, estudos da indústria e das empresas, utilizando dados que vão desde pesquisas do Departamento do Censo dos EUA até listas de vagas de emprego online, mostram o padrão de difusão da tecnologia e seus obstáculos.

Os líderes são sobretudo grandes estabelecimentos que investem em tecnologia digital há anos e empresas mais jovens de alto crescimento, com frequência apoiadas por capital de risco. A computação em nuvem é bastante adotada, mas não é a tecnologia mais avançada, como os aplicativos de inteligência artificial.

A adoção limitada, dizem alguns especialistas, não é tão surpreendente neste estágio, já que 75% das empresas dos EUA são pequenas, com menos de dez funcionários.

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Na Anthem, seguradora de saúde cujos planos são usados por mais de 45 milhões de pessoas, cerca de 75% das dúvidas dos clientes agora são resolvidas por meio de seus canais digitais, entre eles um portal da web, um aplicativo para dispositivos móveis e um software de reconhecimento de fala. Três anos antes, esse número era de aproximadamente 30%. A tecnologia de resposta a perguntas para ajudar as pessoas com tarefas básicas, como verificar o status de uma reclamação, pagar uma conta ou encontrar um médico, é movida em parte pela inteligência artificial.

A automação digital eliminou 10 milhões de chamadas telefônicas que os call centers da Anthem teriam atendido, estimou Rajeev Ronanki, presidente de plataformas digitais.

A Anthem, que no próximo mês passará a se chamar Elevance Health, não está reduzindo sua equipe de atendimento ao cliente. No entanto, a atuação desses profissionais e como o desempenho deles é avaliado mudou. A métrica tradicional de desempenho em call centers é a “duração do atendimento”, e quanto menos tempo por chamada, melhor. A Anthem agora quer que sua equipe de atendimento ao cliente resolva os problemas daqueles que ligam com apenas um profissional, sempre que possível, em vez de transferir a ligação para outro departamento.

Muitos de seus atendentes de call center receberam treinamento extra para se tornar o que a Anthem chama de “navegadores de atendimento”. As avaliações de seu desempenho agora incluem problemas resolvidos e pesquisas de satisfação do consumidor. Com esse conjunto mais amplo de medidas, disse Ronanki, os atendentes da empresa estão de 30% a 40% mais produtivos. Acrescentar habilidades e reformular o trabalho, disse ele, são tão importantes quanto melhorar a tecnologia.

“Desenvolver só a capacidade técnica é apenas o começo”, disse Ronanki.

Leva tempo para novas tecnologias se espalharem e para as pessoas entenderem como usá-las da melhor maneira. Por exemplo, o motor elétrico, lançado na década de 1880, não produziu ganhos de produtividade perceptíveis até a década de 1920, quando a linha de montagem de produção em massa reorganizou o trabalho em torno da tecnologia.

A revolução do computador pessoal surgiu na década de 1980. Mas foi só na segunda metade da década de 1990 que a produtividade econômica aumentou de verdade, à medida que essas máquinas se tornaram mais baratas, mais potentes e foram conectadas à internet.

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O despertar da década de 1990 foi ajudado por um salto no investimento em tecnologia pelas empresas e capitalistas de risco, principalmente em startups da web e internet. Da mesma forma, na última década, os gastos com software nos EUA mais que dobraram para US$ 385 bilhões conforme as empresas investem para digitalizar suas operações, informou a empresa de pesquisa IDC.

O investimento de risco em startups de inteligência artificial em todo o mundo aumentou mais de 80% no ano passado, para US$ 115 bilhões, de acordo com o PitchBook, que acompanha o mercado de capital privado.

A Cresta é uma startup de inteligência artificial que tenta resolver o problema moderno da produtividade. Em 2020, ela apresentou seu produto inicial: um software de aconselhamento e treinamento em tempo real para atendentes de call center. Sua tecnologia absorve grandes volumes de conversas de texto e voz para identificar padrões de comportamento e respostas a perguntas que resolvem os problemas dos clientes ou geram vendas. O objetivo não é substituir os trabalhadores, mas melhorar seu desempenho, disse Zayd Enam, cofundador e CEO da empresa. Segundo ele, o que a Cresta oferece é possibilitado pelos recentes avanços na potência e na velocidade do software de inteligência artificial, que ele descreveu como um “divisor de águas”.

A Cresta tem 200 funcionários, levantou mais de US$ 150 milhões em fundos de risco e tem várias dezenas de clientes corporativos, entre eles Verizon, Cox Communications e Porsche.

Jim Lyski, vice-presidente da CarMax, empresa que está usando inteligência artificial Foto: Matt Eich/The New York Times

A CarMax, a maior varejista de carros usados dos EUA, começou a testar o software da Cresta em dezembro. A experiência com inteligência artificial veio após anos de investimento para fazer as operações por computador da empresa rodarem em sistemas mais flexíveis e baseados na nuvem, disse Jim Lyski, vice-presidente executivo de estratégia, marketing e produtos.

As consultas dos clientes da CarMax via call center tendem a ser demoradas. Os carros usados abrangem diferentes anos, modelos, características e históricos de uso, e os planos de financiamento para o que é uma grande compra variam. A variedade de perguntas é quase ilimitada, disse Lyski, portanto, a comunicação completamente automatizada não era uma opção.

Mas um assistente computacional que pudesse ajudar a classificar toda a complexidade automotiva, oferecendo sugestões e informações em tempo real, parecia interessante. A Cresta primeiro estudou os dados do call center da CarMax, e o experimento começou com seus atendentes de bate-papo, que conversam por mensagens de texto com os clientes.

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A experiência tem se mostrado promissora, disse Lyski. Houve uma melhoria de cerca de 10% no tempo de resposta, conversão em vendas e redução do tempo de atendimento.E o sistema continua aprendendo e melhorando. A empresa iniciou um projeto piloto com profissionais que atendem chamadas de voz, aumentando o número total de atendentes usando a tecnologia de inteligência artificial para 200.

Lyski disse que havia a preocupação de como os funcionários reagiriam ao ter a inteligência artificial de olho neles. Seria uma experiência boa o suficiente para ser vista com uma ajuda bem-vinda ou uma distração irritante? A resposta tem sido positiva, afirmou.

A Cresta focou primeiro nos call centers como um mercado grande e inicial porque é um campo de trabalho intenso, onde a inteligência artificial pode ser aplicada de forma relativamente rápida e produtiva. Mas Enam acredita que seu “serviço de inteligência artificial em tempo real” possa ser possivelmente útil em uma ampla gama de trabalhos não braçais, atuando como um assistente inteligente em tudo, desde a contratação até o desenvolvimento de produtos.

“Essa tecnologia tem um propósito mais amplo do que vemos agora”, disse ele.

Brynjolfsson, de Stanford, aposta que isso seja verdade; já Gordon, da Northwestern, tem suas dúvidas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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