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Tirar o pé da lama

A má gestão da coalizão liderada pelo PT desde 2003 não teve consequências funestas apenas na economia. Na gestão da economia, o primeiro governo Lula até endossou a política econômica que herdara de FHC. Foi a partir do segundo mandato de Lula e crescentemente com a sua sucessora que o governo partiu para uma política aventureira que entrou em colapso após a empulhação eleitoral de 2014.

Por Marcelo de Paiva Abreu
Atualização:

Já na política externa, desde a primeira hora, Lula engajou o seu governo num exercício contínuo de diplomacia presidencial e aproximação com outros regimes populistas de esquerda na América Latina com rendimentos claramente decrescentes. Com Dilma, a política externa alcançou o seu nadir, sem nenhuma autocrítica quanto à estratégia Amorim-Garcia e com o Itamaraty desprestigiado.

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Por ironia, a ênfase na Rodada Doha, a mais meritória iniciativa da política externa do lulopetismo, fracassou em 2008 exatamente por causa da heterogeneidade do G-20 e da discrepância entre os interesses agrícolas do Brasil contrastados aos da Índia e da China.

No entretempo, o Brasil optou por uma reversão da liberalização comercial que havia marcado o início da década de 1990. A cultura de maximização de conteúdo nacional à outrance contaminou os investimentos em gás e petróleo e "justificou" regimes discriminatórios de taxação interna quase certamente ilegais à luz da legislação internacional.

Com a Organização Mundial do Comércio (OMC) agonizante, multiplicaram-se as iniciativas regionais como a Trans-Pacific Partnership, na bacia do Pacífico, a Transatlantic Trade and Investment Partnership, entre os EUA e a União Europeia, e a African Growth and Opportunity Act. Todas excluem os Brics, entre eles o Brasil.

E, entre os Brics, o contraste entre Índia e China, mesmo em desaceleração, e a Rússia e o Brasil é espetacular. A diferença é que o mau desempenho russo tem que ver com sanções e dependência do petróleo e a crise brasileira deve-se à combinação de inépcia com oportunismo eleitoral. Se jamais foi apta a metáfora de que caititu fora da manada é comida de onça, ela se aplica hoje ao Brasil.

Na nova arquitetura do comércio internacional, onde estará o Brasil? Hoje, em lugar nenhum. O quadro econômico e político do Brasil torna o País pouco atraente como parceiro. Todos os esforços da diplomacia econômica brasileira deveriam estar concentrados no resgate do Mercosul e no avanço das negociações com a União Europeia, pois sua concretização poderia sinalizar uma mudança de regime depois de um longo período de diplomacia ativa e altiva que não levou a lugar nenhum. Seria começar a tirar o pé da lama e romper o isolamento diplomático.

A percepção do fracasso da política externa e da política econômica poderá servir de catalisador de debate sobre a futura estratégia econômica a ser adotada. O atual fracasso decorreu da crença de que a combinação de capitalismo de Estado e protecionismo, fórmula que havia funcionado bastante bem no passado, poderia ter tido sucesso se repetida no século 21. O que se requer é uma mudança de postura quanto ao que seria requerido para o Brasil voltar a crescer. Mais do que nunca, é razoável insistir em que o pacote de políticas econômicas essenciais deve refletir a mudança de posição quanto à abertura da economia.

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Alguns observadores acreditam que estaria havendo uma mudança de postura no setor privado industrial quanto a uma abertura adicional. Seria um bom começo, embora com dificuldade de prosperar em meio à crise atual. Mas, se persistente, pode sinalizar otimismo quanto ao futuro.

No entretempo, o que se vê é a multiplicação de pressões para que sejam elevadas tarifas de importação de setores que se julgam particularmente afetados pela crise, com proeminência para o setor siderúrgico. A decisão do governo quanto ao assunto será uma indicação concreta sobre quão distante estará a realidade de nossos desejos.

* Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge. É professor titular no Departamento de economia da PUC-Rio

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