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Tiraram a boia. Agora é nadar ou nadar!

Estamos migrando de uma estratégia protecionista e paternalista para uma baseada na abertura de fronteiras

Por José Márcio Camargo
Atualização:

O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo. Uma herança da estratégia de industrialização adotada pelo País desde os anos 40 do século passado, que tinha como carro-chefe a criação de um parque industrial via política de substituição de importações. Como o País era relativamente pobre, com pequeno mercado interno e o setor industrial se caracteriza por fortes economias de escala (quanto maior o volume de produção, menor o custo médio da empresa), era necessário “reservar” o mercado nacional para aquelas empresas que decidissem se instalar no País em lugar de produzir em seus países de origem e exportar para o Brasil. Ou seja, substituir importações por produção interna.

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Com esse objetivo, os governos ergueram barreiras ao comércio internacional, cobrando tarifas elevadas para a importação de bens industriais para, com isso, tornar o produto importado mais caro do que o produzido internamente, e introduzindo controles não tarifários, como quotas, proibições de importação de determinados produtos, etc., restringindo a oferta dos mesmos.

No início, essa política atraiu investimentos de empresas multinacionais, que se instalaram no País. Entretanto, no longo prazo, o resultado foi uma clara tendência à estagnação. Com a ausência de competição, a qualidade dos produtos gerados foi se deteriorando e os custos de produção permaneceram muito mais elevados que no exterior. O processo de globalização e a entrada dos países asiáticos no mercado internacional a partir dos anos 60, com produtos de maior qualidade e menor custo, escancararam este problema.

A reação da indústria brasileira foi demandar mais proteção, aumento das barreiras tarifárias e não tarifárias. Entretanto, sem competição, o resultado foi um aumento do diferencial de produtividade, da qualidade e dos preços entre os bens gerados internamente e os importados.

O acordo de livre comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul quebra a espinha dorsal deste processo. Primeiro, porque a UE tem o maior PIB do mundo e, para evitar desvios de comércio, outros países e regiões deverão seguir o mesmo caminho. A abertura comercial virá por atacado.

Segundo, porque é um acordo abrangente, que inclui investimentos, serviços, concorrência, desenvolvimento sustentável, questões climáticas, propriedade intelectual, compras governamentais, entre outros itens. Com isso, a partir de sua aprovação, a estrutura e a evolução das tarifas de importação, das barreiras não tarifárias e das regras de comércio estarão predefinidas. O governo brasileiro não poderá mais criar, unilateralmente, novas barreiras ao comércio com os países da União Europeia e vice-versa.

Se um determinado setor ou empresa não conseguir competir com os produtos importados da UE (no Mercosul) a solução será aumentar a produtividade ou a qualidade do produto. Se a falta de competitividade decorrer de um problema de gestão interna da empresa, como falta de investimento, tecnologia inadequada, etc., ela terá de resolver internamente esses problemas. Entretanto, se a falta de competitividade for o resultado de questões relacionadas às instituições externas à empresa, como legislação trabalhista inadequada, infraestrutura deteriorada, estrutura tributária excessivamente complicada, carga tributária relativamente elevada, proteção comercial, etc., a solução será lutar por reformas para mudar essas instituições.

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Em outras palavras, este acordo é o início de uma nova estratégia de desenvolvimento. Estamos migrando de uma estratégia protecionista e paternalista com empresários e trabalhadores para uma estratégia baseada na abertura de fronteiras no atacado e que torna a competição o motor das reformas microeconômicas indispensáveis para induzir o crescimento. As demandas por proteção serão fatalmente substituídas por demandas por reformas. Tiraram a boia. Agora, é nadar ou nadar!

*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS

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