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Toma lá, mas dá cá

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Por Redação
Atualização:

A primeira coisa que alguém precisa ter em mente para entender as promessas do novo pacote salvador do Tesouro americano às montadoras é que o desmanche que as acometeu não tem nada a ver com a crise financeira global. Com a possível exceção da Ford, nem mesmo num cenário de mar tranquilo e vento a favor seria possível garantir o futuro da indústria automobilística americana sem forte ajuda dos cofres públicos. Pode-se dizer até mesmo que a crise a ajudou. Como a chegada dos bárbaros no instigante poema de Konstantinos Kavafis, a crise financeira não é o problema das montadoras; pode ser a solução. Apareceu como desculpa salvadora para esconder e justificar o desastre administrativo de décadas. Mais ainda, a crise foi o pretexto perfeito para uma formidável pressão (para evitar a palavra chantagem) das montadoras sobre o governo. A cabeça de Rick Wagoner, o presidente da General Motors Corporation (GM), foi exigida pelo governo Obama não só por ter feito pouco para recuperar a empresa, mas também por continuar exagerando nas pletoras. Em dezembro passado, pediu US$ 16,6 bilhões para que a empresa fosse salva. Três meses depois, sustentou que precisava de quase o dobro a mais. E, na avaliação de alguns analistas, pode ser pouco para sustentar o futuro. A Chrysler também quer arrancar mais. Recebeu US$ 4 bilhões há quatro meses, mas agora argumenta que, sem receber mais US$ 5 bilhões, não se sustentará sobre suas rodas. Ninguém está sendo demitido na diretoria da Chrysler. Em compensação, o governo americano impôs uma aliança estratégica com a Fiat. De 1998 a 2007, a Chrysler viveu um processo frustrado de fusão com a Mercedes Benz. Se fracassou com os racionais e calculistas alemães, por que temos de acreditar que dê certo esse casamento com os emocionais e improvisadores italianos? As condições impostas agora pelo governo Obama às montadoras para novas transfusões de vitamina pareciam improváveis há seis meses, quando o discurso eleitoral sugeria que a prioridade era preservar os empregos. A administração Obama quer que a GM demita 47 mil dos seus 244 mil trabalhadores em todo o mundo. E condiciona a nova ajuda a mais concessões por parte dos sindicatos e dos credores. São cláusulas que estão sendo impostas num momento em que cresce a indignação de políticos e contribuintes com a excessiva generosidade do governo americano com quem falhou miseravelmente. Tudo se passa como se a condição política para o socorro oficial fosse reforçar a impressão de dureza contra as atuais administrações das empresas. O próprio Obama entendeu que foi necessário avisar a opinião pública, que clama por castigo exemplar, que a concordata não está descartada. A intervenção estatal nas montadoras americanas coincide com a retomada do discurso antiprotecionista, como se protecionismo fosse apenas a adoção de tarifas aduaneiras proibitivas para a concorrência ou a defesa intransigente do "buy American". E como se o despejo de dezenas de bilhões de dólares para salvar duas empresas não fosse a armação de competição desleal para outras montadoras instaladas nos Estados Unidos, inclusive para a Ford, que não vêm desfrutando dos mesmos benefícios. Confira Governo seletivo - O problema não está na redução de impostos, como a que o governo prorrogou ontem para a indústria de veículos ou como a que criou para a construção civil. O problema está em que não reduz impostos para toda a economia. Reduz apenas para setores "mais queridinhos", e não para toda a produção. Se é para atacar o desemprego, as pequenas e médias empresas brasileiras empregam muito mais (cerca de 6 milhões de trabalhadores). Este é um segmento que enfrenta brutal escassez de crédito e queda de demanda, sem contar com as mesmas regalias do governo.

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