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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Totem

Erros deveriam ser lembrados e evitados. Erros repetidos deveriam ser proibidos

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Em recente visita a um cliente estrangeiro, soube que na sede da sua empresa há um totem que simboliza os erros cometidos no passado. O objetivo é fazer lembrar a todos – funcionários, executivos, acionistas e fornecedores, que esses erros existiram e tiveram enormes custos para a empresa. Assim, aprende-se com o passado para construir um futuro melhor, evitando cometer erros, em particular os mesmos erros.

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Sinto falta de um totem assim no Brasil. Nossa história recente está repleta de erros. Mas a memória de grande parte dos brasileiros não parece retê-los e menos ainda associá-los às mazelas que vivemos hoje.

Vivemos 20 anos de ditadura. A ameaça da anarquia e o espaço conquistado pela esquerda foram as senhas para que um regime autoritário assumisse o comando e em nome da defesa do País contra o que poderia ser pior, cometeram-se as atrocidades que hoje, surpreendentemente, ficam em segundo plano quando o ódio e a intolerância novamente roubam a cena. No campo econômico, o estatismo, o corporativismo e uma política fechada e nacionalista, cheia de chavões bonitos, acabou nos legando uma década perdida.

Os anos noventa chegaram e, afundados na hiperinflação, embarcamos na promessa da modernidade, inebriados por uma liderança jovem que iria nos tirar das trevas. Corajoso, destemido, caçador de marajás. Não foram necessários nem 2 anos para que o salvador da pátria fosse destituído em meio a denúncias de corrupção cujas dimensões, hoje sabemos, são risíveis perto do que veríamos adiante. Mas antes disso, uma equipe econômica inexperiente e desastrada nos confiscou a poupança, jogou a economia no chão e a tão sonhada queda da inflação não aconteceu.

Alguns anos depois, o País serenado, veio a beleza da transição democrática, da alternância de poder. O governo de esquerda, como que com uma geração de atraso, veio ungido pelas urnas. Certificado por uma carta aos brasileiros e com uma equipe econômica validada pela entidade mercado, o Partido dos Trabalhadores finalmente assume o poder. Ali começou uma lua de mel durou alguns anos. Com um ambiente externo favorável e colhendo os frutos de uma agenda interna de reformas que havia acontecido bem antes, mal foram contados os votos da segunda eleição, dá-se início à mais desastrosa política econômica que o Brasil já viveu. E ela foi escalada, dobrando-se a meta ao longo das duas outras eleições em que o que menos contou foi quem seria o presidente. O importante era manter o PT no poder.

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Retrocessos de toda sorte, como as políticas de conteúdo local, protegendo uma indústria ineficiente e evitando a competição que traria ganhos de produtividade, e uma política fiscal irresponsável, corroendo as finanças públicas e comprometendo a solvência do País foram algumas das características. Subsídios setoriais que protegeram alguns privilegiados ao custo de enormes distorções econômicas; o uso dos bancos públicos, em particular o BNDES, garantiu dinheiro barato para quem não precisa, às custas dos juros altos que os brasileiros comuns pagam. Foi a festa dos amigos do rei. Houve o aparelhamento do Estado, que deixou de cuidar do cidadão para alimentar a burocracia, grande fonte de recursos para a perpetuação de um projeto de poder. E não podemos nos esquecer do maior esquema de corrupção de todos os tempos, que parece ter desaparecido das mentes dos que hoje defendem a volta do PT como caminho para evitar o retrocesso.

Erros deveriam ser lembrados e evitados. Erros recorrentes e repetidos deveriam ser proibidos. O Brasil parece querer ir na direção contrária. Movidos pelo ódio a um extremo, nos jogamos no outro extremo e esquecemos os erros do passado em nome de evitar o que poderia ser pior. Já vimos essa história mais de uma vez. Nem um caminho nem outro nos trará a urgente solução dos nossos tantos problemas.

Os caminhos do meio, racionais, serenos e necessários, estão fragmentados e, infelizmente, deveriam ganhar também o seu totem, para nos lembrarmos que seus erros também nos custam. E custam, principalmente, para a maioria da população que irá pagar a conta da nossa incapacidade de aprender com o passado.

Erros deveriam ser lembrados e evitados. Erros repetidos deveriam ser proibidos.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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