Um dos grandes desafios de nosso modelo de seguridade social é o de tratar todos os brasileiros da forma mais isonômica possível. Pela nossa legislação, uma empregada doméstica que trabalha três ou mais dias por semana em uma casa deve ser registrada e tem direito a benefícios previdenciários e trabalhistas. Já uma diarista que trabalha um ou dois dias por semana na mesma casa não precisa ser registrada e, para ter acesso a benefícios previdenciários, precisa contribuir como autônoma – o que quase nenhuma faz. Essa mesma distorção se reproduz em uma série de outras situações em que os trabalhadores atuam de forma autônoma, inclusive no caso dos motoristas de aplicativos.
É verdade que a legislação permite que a maioria dos autônomos (inclusive a diarista) se inscreva como microempreendedores individuais (MEIs). No entanto, o número de MEIs ainda é restrito ante o número de informais, e o grau de inadimplência entre os optantes é extremamente elevado. Adicionalmente, o menor custo tem incentivado a substituição de trabalhadores formais por MEIs, precarizando as relações de trabalho.
A melhor forma de viabilizar a formalização previdenciária dos trabalhadores de menor renda, sem gerar distorções, é adotar uma regra uniforme de contribuição para todos e reduzir muito o custo das contribuições incidentes sobre o primeiro salário mínimo (SM), mantendo alíquota mais elevada para a parcela da remuneração superior a 1 SM. A título de exemplo, a alíquota da contribuição do empregado/autônomo sobre o primeiro SM poderia ser reduzida a 3% e a do empregador/contratante, a 6%.
No caso de uma diarista que trabalha em quatro casas recebendo R$ 500 por mês em cada uma, por exemplo, cada empregador recolheria por mês R$ 45 (incluindo a parcela da diarista) e o benefício seria proporcional a uma contribuição de R$ 180.
A proposta é que a regra fosse a mesma para todos os trabalhadores, inclusive para os trabalhadores formais e os MEIs. É possível considerar, no entanto, uma transição mais rápida para os autônomos hoje desprotegidos e mais lenta para os demais trabalhadores.
Obviamente esse modelo tem um custo fiscal elevado. Mas é perfeitamente possível financiá-lo corrigindo distorções hoje existentes na tributação da renda.
A proposta não resolve todas as questões trabalhistas relativas a diferentes relações de trabalho, mas avança ao contribuir para um tratamento mais equitativo de todos os brasileiros – ao menos no acesso a benefícios previdenciários.
* DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL