28 de fevereiro de 2022 | 04h00
Este é mais um carnaval de tempos singulares. Bem diferente do que estamos acostumados, sem festas populares, blocos de rua e desfiles de escolas de samba. O motivo é preservar vidas. Essa pausa também representa uma oportunidade de reflexão sobre a complexidade e os desafios que temos à frente – pautados por mudanças no cenário global, com inflação, juros e o conflito armado da Rússia com a Ucrânia, e incertezas locais.
No livro “Carnavais, Malandros e Heróis”, um clássico da antropologia brasileira, Roberto da Matta analisa o significado social do carnaval. Para ele, essa festa popular é o espaço de questionamento da norma, do padrão, da forma habitual de viver o cotidiano e da libertação de amarras. Mesmo sem a folia nas ruas, essa lição pode ser transportada às nossas atividades e negócios, para identificar novos comportamentos e paradigmas.
Reflexo das aspirações da sociedade, o carnaval questiona padrões. Temas como o feminismo, racismo e a quebra de preconceitos são predominantes nas músicas e marchinhas, ao lado do romantismo dos amores, paixões, tristezas e alegrias cantadas no embalo dos blocos. Os desfiles de escolas de samba, a nossa ópera popular a céu aberto, são momentos de encantamento e espanto, de exaltação e crítica, de diversidade e síntese.
A festa do carnaval faz parte da construção da identidade brasileira. Cresceu ao longo do tempo até se desdobrar em um dos grandes empreendimentos sazonais do calendário econômico do País, movimentando bilhões em investimentos, gerando renda e emprego. Milhares de pessoas são beneficiadas em todas as regiões brasileiras. Infelizmente, diante de uma nova variante da covid-19, a ômicron, mais transmissível embora menos letal, as autoridades foram obrigadas a cancelar aglomerações. Foi a decisão mais coerente.
Da Matta nos ajuda a entender melhor a complexa sociedade brasileira, que vive uma distopia, uma realidade fragmentada e heterogênea cujas contradições precisam ser resolvidas. O carnaval sempre foi um grande ritual sobre essa distopia, com o povo no centro das atenções, invertendo papéis e exercendo seu direito de crítica.
Agora, mesmo com as restrições sanitárias, podemos continuar a fazer do carnaval o compartilhamento de alegrias, esperanças e sonhos. E exercitar nossa capacidade de encontrar a inspiração no novo, no provocativo e no diferente.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS
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