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Tradição à prova de abalos globais

Empresas sobreviveram à crise de 1929 e à grande desvalorização do real ante o dólar em 1999, entre outras

Por Alberto Komatsu
Atualização:

Há um grupo de empresas que nem liga para a crise mundial e até faz planos de crescimento, mesmo diante da escassez de crédito. São negócios e comércios centenários, que sobreviveram à quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 25 de outubro de 1929, e à superdesvalorização do real em relação ao dólar, em 1999, só para citar algumas turbulências. Veja também: Galeria de fotos das empresas  As grandes crises econômicas  Como o mundo reage à crise  Dicionário da crise  Juntas, Casa Cavé (1860), Granado Pharmácias (1870), Confeitaria Colombo (1894) e Joalheria Esmeralda (1895) somam 513 anos de histórias, curiosidades e dificuldades. Mas seguem firmes, com algumas concessões a modernidades, mas sempre fiéis ao seu principal ativo: a tradição. "Ao se aproveitarem da memória passada, essas marcas tentam fazer uma conexão emocional com o consumidor, lembrar de tempos passados. Esse consumidor pensa no passado como uma coisa emocionalmente confiável e estável, pois não sabe o que esperar do futuro", afirma o professor de gestão de marcas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio), Marcelo Boschi. Um dos sócios da Cavé, o português Henrique Bernardo, de 77 anos, lembra de vários clientes que choraram quando a loja teve de mudar do endereço original, na esquina das ruas Uruguaiana e 7 de setembro, no centro do Rio, para poucos metros adiante. Isso no ano 2000. Mas o que esses clientes fiéis não sabiam é que o novo local tinha tanta tradição e história quanto a Cavé, muito famosa em 148 anos de atividade por seus doces portugueses. Há cerca de um ano a Cavé se rendeu ao prato executivo para reforçar o faturamento, mas os doces e salgados ainda são os preferidos, pois respondem por 85% das vendas. "Neste endereço em que estamos tinha uma chapelaria também centenária, a Radiante, que teve como balconista aquela moça que era artista, a Carmen Miranda", lembra Bernardo, que comprou a Cavé em meados de 2004. A marca tem dois endereços no Rio e prepara a abertura de duas lojas no ano que vem, provavelmente nos bairros de Copacabana e Largo do Machado, zona sul do Rio. Bernardo estima que o investimento será de R$ 1 milhão. "Na Cavé não existe crise e não precisamos de financiamento. Se for preciso, vendo uma cobertura que tenho na Barra da Tijuca." Há quatro anos a Granado recorreu ao próprio passado para resgatar a fidelidade dos clientes. Orientada por um consultor francês, a diretora de Marketing, Sissi Freeman, de 28 anos, convenceu seu pai, Christopher, de 62 anos, a investir na padronização das lojas com móveis e visual muito parecido com o da época de sua inauguração, há 138 anos. O inglês Freeman comprou a empresa por US$ 8 milhões em 1994. "Muitos já nos procuraram interessados na Granado, como empresas de private equity e venture capital . Mas ela não está à venda", afirma Freeman. Ele conta que tem planos de longo prazo e está preparando a abertura do capital da Granado, com a adoção de práticas de governança corporativa. Segundo Freeman, isso pode ocorrer nos próximos cinco anos. Sissi conta que o plano é abrir pelo menos quatro lojas próprias em 2009, o que poderá significar um investimento de até R$ 1,2 milhão. A Granado conta com duas lojas próprias no Rio e uma em São Paulo. Ela enfatiza que o crescimento também se dará por meio de recursos próprios, pois a idéia é manter o padrão de qualidade e de identidade, o que não seria possível por meio de franquias. Seu pai, um estudioso da Granado antes de comprá-la, lembra que a pior crise da empresa, a de 1929, foi contornada com uma estratégia típica dos dias atuais: os fornecedores se tornaram sócios. "O que é mais importante para nós é a tradição e a qualidade. Não faço nada que coloque isso em risco", diz Maurício de Assis, de 64 anos, que está à frente da Confeitaria Colombo desde 2004. Comprou o negócio da Arisco, que havia comprado a Colombo em 1992. Uma das raras referências de modernidade no local, que tinha como freqüentadores o poeta Olavo Bilac e o escritor José Lins do Rego, é o prato executivo, implementado recentemente. Assis diz que são vendidos 12 mil refeições por mês. De doces e salgados, produtos carro-chefe da casa, são 1 mil por dia. O sucesso da confeitaria acabou rendendo uma filial dentro do Forte de Copacabana, desde 2003. Assis lembra que chegou a abrir outra loja em São Paulo, mas que não deu certo. Mesmo assim, não desanimou e afirma estar aberto a novas possibilidades. Uma delas é obter um parceiro investidor, mas minoritário. Isso porque ele quer controlar o negócio. Com 113 anos de atividades ininterruptas, a Joalheria Esmeralda continua no mesmo endereço desde a fundação, na rua 7 de Setembro, centro do Rio. Uma das vendedoras com mais tempo de casa, Denise Teixeira, conta que o segredo foi sempre atender com honestidade e simplicidade para garantir a fidelidade dos clientes. "Ao meu ver, o que manteve a joalheria aberta há tanto tempo é a tradição. Temos que ser verdadeiros, vender o peixe como ele é", contou Denise. "Os clientes daqui são fiéis, passam de geração em geração", acrescentou, enquanto era cumprimentada por vários clientes.

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