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Tributando dividendos

Reduzir tributo da empresa e tributar a distribuição é pouco para definir um bom modelo de tributar a renda

Por Bernard Appy
Atualização:

Um dos temas recorrentes na discussão sobre a reforma tributária é a necessidade de o Brasil passar a tributar a distribuição de lucros e dividendos, a exemplo do que é feito pela maioria dos países desenvolvidos. O modelo brasileiro de isenção na distribuição dos dividendos é percebido – em parte de forma equivocada e em parte de forma correta – como um benefício para as pessoas mais ricas, que detêm a maior parte do capital empresarial do País.

Essa percepção é equivocada, pois a tributação do lucro na empresa é, efetivamente, uma antecipação do imposto sobre a renda devido pelos seus proprietários. Como a alíquota incidente sobre o lucro na empresa é de 34% no Brasil (superior à alíquota máxima do Imposto de Renda das pessoas físicas – IRPF), não haveria, em princípio, um tratamento favorecido dos donos do capital.

Faz sentido mudar o regime brasileiro de tributação do País. Foto: Felipe Rau/Estadão

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No entanto, em muitos casos há, de fato, uma baixa tributação da renda percebida pelos proprietários das empresas. Isso ocorre quando a alíquota efetiva incidente sobre o lucro é muito inferior a 34%, o que acontece quando há redução da base tributável ou do imposto devido na empresa. Essa é uma situação muito comum nos regimes simplificados de tributação, mas é uma situação que também ocorre no caso de grandes empresas.

Por outro lado, a elevada tributação na empresa tem um efeito negativo sobre a competitividade dos investimentos domésticos. Desde o final dos anos 1980 observa-se uma tendência mundial de redução na tributação da renda corporativa, num ambiente de disputa pela atração de investimentos. Atualmente, entre os países da OCDE, a alíquota média do imposto sobre a renda corporativa incidente na empresa é de 23,4%. Em contrapartida, quando considerada também a tributação na distribuição dos lucros, essa alíquota sobe para 41,6%.

Nesse contexto, faz sentido mudar o regime brasileiro de tributação dos lucros, reduzindo a tributação na empresa e introduzindo a tributação na distribuição dos dividendos (idealmente integrada às alíquotas progressivas do IRPF), aproximando o modelo brasileiro do observado na maioria dos países desenvolvidos. Tal mudança ampliaria a competitividade do Brasil na atração de investimentos e mitigaria as distorções distributivas do regime atual, que ocorrem quando há baixa tributação na empresa.

Aparentemente, há hoje uma razoável compreensão sobre as vantagens de uma reforma da tributação dos lucros que reduza a tributação na empresa e introduza a tributação na distribuição. Mas isso é muito pouco para definir um bom modelo de tributação da renda, por vários motivos.

Em primeiro lugar, o lucro é apenas uma das formas de percepção da renda do capital, que pode ser recebida também na forma de juros, aluguéis e ganhos de capital. Para que o sistema tributário seja neutro e eficiente, o ideal é que trate da forma mais homogênea possível essas quatro modalidades de renda.

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Em segundo lugar, há bons motivos para que o rendimento normal do capital (ou seja, a rentabilidade correspondente à taxa de juros sem risco) seja menos tributado que o rendimento excedente. Não há razão para que o rendimento de uma aplicação financeira de baixo risco (hoje sujeito a uma alíquota de 15%) seja menos tributado que rendimento equivalente obtido num investimento produtivo.

Em terceiro lugar, a redução da alíquota incidente na empresa deveria vir acompanhada de medidas de ampliação da base tributável, a exemplo do que vem sendo feito pela maioria dos países que reduziram a tributação da renda corporativa.

Por fim, no caso das pequenas empresas, é muito difícil distinguir a renda do capital da renda do trabalho dos sócios. Neste caso, é recomendável que haja uma aproximação entre a tributação dos lucros e a tributação da renda do trabalho.

Todos esses pontos, além da necessidade de garantir a competitividade das nossas empresas, deveriam ser considerados numa mudança do regime brasileiro de tributação dos lucros. O diabo mora nos detalhes.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL