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Troca da guarda

Ninguém espera que o sucessor de Cristina na presidência da Argentina mantenha em vigor o programa populista do casal Kirchner, há 12 anos no poder

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Por Celso Ming
Atualização:

O governo de Cristina Kirchner deixará para seu sucessor uma herança maldita de vastas proporções.

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As eleições presidenciais a serem realizadas neste domingo podem apontar o ganhador em primeiro turno desde que tenha 40% dos votos e 10 pontos porcentuais a mais que o segundo colocado.

A disputa está concentrada entre o candidato do governo, Daniel Scioli (38% das intenções de voto), governador da província de Buenos Aires, e o conservador Mauricio Macri (29%), prefeito do município de Buenos Aires. Corre em terceiro o dissidente peronista Sergio Massa, (20%), prefeito do município de Tigre, na grande Buenos Aires. O governo Dilma não esconde sua maior simpatia por Scioli.

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Entre as bombas a desarmar estão a menor capacidade produtiva, como o PIB fraco vai mostrando; a inflação real, que corre a quase 30% ao ano, embora os números oficiais não apontem mais do que 14%; o desemprego, que persiste em torno dos 7% da força de trabalho; a forte queda das reservas externas, que começaram 2011 nos US$ 45 bilhões e que agora são de apenas US$ 28,8 bilhões; a redução do saldo comercial para os níveis mais baixos desde 1955; e a secura do crédito externo, iniciada com o calote de 2001, que se aprofundou com a falta de acordo com os fundos de hedge (que o governo prefere chamar de fundos abutres), aqueles que não aceitaram os termos da renegociação unilateral da dívida. (Veja a tabela abaixo)

Essa paisagem árida marca o fim de um ciclo. A década do boom das commodities se esgotou e a economia da China, grande comprador de matérias-primas da Argentina, está em franca desaceleração. No entanto, sem pretender que seja tomada como compensação, a Argentina goleia o Brasil no quesito corrupção. Apesar dos casos conhecidos e presumidos, não sofre do mesmo quadro de septicemia moral que prostra a economia do Brasil. Mas isso, digamos, apenas não piora ainda mais as coisas.

A recuperação consistente da Argentina é de grande interesse para o Brasil. Nos tempos “normais” as exportações brasileiras para a Argentina correspondiam a cerca de 8% do total (hoje são de apenas 6,7%) e as duas economias têm grande potencial de integração.

 Foto: Infográficos/Estadão

Ninguém espera que o sucessor de Cristina mantenha em vigor o programa populista do casal Kirchner, há 12 anos no poder. Serão inevitáveis a adoção de um programa de austeridade fiscal, um acordo com os fundos abutres que possibilite a reabertura do crédito internacional e o destravamento do comércio exterior e do investimento.

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Nas relações com os vizinhos, é provável que o novo governo abandone a ideologia bolivariana que marcou os últimos dez anos e se reaproxime do governo dos Estados Unidos. Foi o que predominou nos tempos do presidente Carlos Menem (1989 a 1999), quando seu ministro de Relações Exteriores, Guido di Tella, se gabava das “relações carnais” que Buenos Aires mantinha com Washington.

Se essa nova política se confirmar, o governo argentino tenderá a defender a suspensão do Mercosul de sua atual condição de união aduaneira para que possa negociar acordos comerciais em separado de seus parceiros de bloco. Independentemente da retórica eleitoral, sempre “promesseira”, não se devem esperar grandes diferenças entre o que poderão ser as políticas do próximo governo, seja quem for o vitorioso. Talvez não passem de questões de tom e de ritmo. No repasse das contas públicas para a população, por exemplo, o governista Daniel Scioli parece mais propenso ao gradualismo. Mauricio Macri sugere a adoção de políticas de choque, com o objetivo de obter resultados mais rápidos. De todo modo, a velocidade dos novos movimentos dependerá da relação de forças que provier do resultado das urnas.

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