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Trump abre guerra comercial contra Ruanda

Comércio de roupas usadas vira alvo de uma nova – e improvável – disputa do presidente dos EUA

Por The Economist
Atualização:

O comércio de roupas de segunda mão geralmente começa com um presente: um vestido velho ou uma camisa indesejada que alguém dá a um parente ou amigo. Pelo caminho, ele se transforma num negócio multibilionário que se espalha por vários continentes. O estágio final é uma banca de mercado, geralmente na África. Agora, roupas usadas também são a causa da mais improvável guerra comercial do presidente Donald Trump. 

Empresas privadas dos Estados Unidos e da Europa adquirem excedentes de doações de organizações de caridade e os exportam para o mundo em desenvolvimento. Em 2016, países do Leste da África decidiram acabar com a prática, alegando que as roupas de segunda mão prejudicam sua nascente indústria de roupas. Os EUA responderam ameaçando impor tarifas sobre exportações do leste africano. Quênia, Uganda e Tanzânia recuaram. Mas Ruanda resistiu. Assim, em 29 de março, Trump anunciou que em 60 dias suspenderia a entrada sem impostos nos EUA de roupas produzidas em Ruanda. 

O presidente de Ruanda, Paul Kagame. Foto: AP Photo/Andrew Meldrum

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Tecnicamente, Ruanda não tem do que se queixar. Como 39 outros países africanos, ela goza de acesso ao mercado americano graças ao African Growth and Oportunity Act (Agoa), decretado em 2000. Uma das exigências dos EUA para essa abertura é que os países beneficiados eliminem progressivamente barreiras a exportações americanas. Ruanda fez o oposto, aumentando 12 vezes o imposto sobre roupas de segunda mão. “Isso equivale de fato ao banimento desses produtos”, reclamou um funcionário americano. 

O Leste da África responde por um quinto do mercado mundial de roupas usadas. Ruanda é apenas uma pequena parte. Seu impasse comercial com os EUA não deve causar grande prejuízo a nenhum dos lados. Em 2016, segundo dados oficiais, as importações de roupas usadas por Ruanda foram de apenas US$ 18 milhões, para US$ 274 milhões de todo o Leste da África. Suas exportações sob o Agoa foram somente de US$ 2 milhões. 

Barreira. Mas o caso tem repercussões mais amplas. Países africanos costumavam proteger suas indústrias com barreiras comerciais. A partir do início dos anos 1980, eles abriram relutantemente seus mercados como condição para receberem empréstimos estrangeiros. Gana perdeu quatro quintos dos empregos na indústria têxtil e de vestuário. No Quênia, o número de grandes indústrias de roupas caiu pela metade. Garth Frazer, da Universidade de Toronto, calcula que a entrada de roupas de segunda mão é responsável por 40% do colapso da produção africana de roupas entre 1981 e 2000. 

É improvável que o aumento de tarifas sobre importação de roupas usadas vá ajudar. Vários países já tentaram isso, mas contrabandistas simplesmente cruzam a fronteira levando essas roupas na mala como se fossem as suas. A maioria dos fabricantes locais, premidos pelo baixo poder aquisitivo da população e pelo crédito caro, não consegue fazer roupas suficientemente baratas para os compradores domésticos. As grandes confecções de Ruanda produzem uniformes em massa, mas não as camisetas de moda usadas pelos jovens de Kigali. 

A defasagem no mercado ruandês será provavelmente preenchida por importações da China, que já em 2016 chegaram a US$ 12 milhões. Os perdedores imediatos serão os consumidores, que passarão a pagar mais. Uma pesquisa do governo americano mostrou que 95% das roupas usadas importadas pelo Leste da África são compradas pelos 40% mais pobres da população. 

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Mas Ruanda parece determinada a ir em frente. Uma zona econômica especial em Kigali espera atrair fabricantes de roupas. Redução de impostos é parte da estratégia industrial mais abrangente. Também em política econômica Ruanda está buscando o próprio estilo. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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