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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Tudo de novo

Maioria dos Estados desrespeitou o tetos de gastos para renegociar suas dívidas

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Foram várias e longas reuniões ao longo dos anos de 2015 e 2016. Governadores e secretários de Fazenda buscavam renegociar as dívidas de seus Estados com a União como forma de garantir alívio às finanças estaduais que, em vários casos, vinham em frangalhos já há muitos meses.

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Havia aqueles que colapsaram apesar da renegociação. E não haveria mesmo renegociação que lhes salvasse. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul àquela altura já viviam um desequilíbrio grave, com atrasos no pagamento dos salários de servidores, deterioração na oferta de serviços públicos e uma agonia financeira em que escolhas diárias tinham que ser feitas. Reduzia-se os atrasos com o fornecedor de combustíveis das viaturas policiais em um dia e deixava-se para o dia seguinte a fatura atrasada do fornecedor de remédios do hospital. Ou quem sabe atendia-se o pedido de pagamento para retomada de uma obra interrompida por falta de recursos e atrasava-se uns dias o do transporte escolar. Honrava-se hoje a parcela da dívida com a União e empurrava-se um pouco a transferência de algum outro recurso, quem sabe o pagamento de algum subsídio, como o do transporte público. Sim, é assim a vida de um Tesouro Estadual em crise. Como numa escolha de Sofia, não há decisão que alivie.

Mas fez-se a renegociação. O pagamento das dívidas foi interrompido por 6 meses e a partir daí se escalonava a volta à normalidade. A renegociação pressupunha que a medida em que gradualmente voltassem a pagar as parcelas agora alongadas, os Estados que aderiram ao plano já teriam se reequilibrado. O detalhe ali era a implementação de ajustes que permitiriam a retomada dos pagamentos sem que as escolhas fossem tão duras.

Mas esse foi só o início da história. O ajuste viria por meio de contrapartidas que foram ficando no caminho. Medidas como as de maior transparência e controle das despesas de pessoal - que respondem pela maior parcela de gastos - a correção do déficit das previdências próprias e uma pequena redução nos programas locais de incentivos fiscais, há muito fora do lugar nos Estados mais agressivos nessa política caíram por pressões políticas de grupos específicos.

Vingou apenas um teto de gastos que, hoje se sabe, foi desrespeitado pela maioria dos Estados que renegociaram suas dívidas. Os que o levaram à sério, como o Espírito Santo que fez ajuste por responsabilidade e não por pressão, estão hoje muito melhor do que os outros que hoje alegam a impossibilidade de cumprir o acordo. Alguns ameaçam usar o Judiciário para validar o descumprimento que, em alguns casos, foi motivado pelo calendário eleitoral que certamente atravessou o acordo. Como Estado nunca chega a quebrar, os eleitores não necessariamente percebem a conta que lhes cairá sobre a cabeça e portanto não punem a irresponsabilidade fiscal escondida nas ações populistas.

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A verdade é que cá estamos, como no dia da marmota, vivendo tudo de novo. Vários Estados estão novamente em crise. Até mesmo Goiás, que fez um ajuste importante no início do ciclo, hoje agoniza com salários atrasados e fornecedores ao relento. Ironicamente, melhorou seus números fiscais graças à interpretação criativa do que são despesas com pessoal e ao aumento dos investimentos públicos financiados com recursos da privatização da Celg (Centrais Elétricas de Goiás). Mas a realidade é dura pois, ao final, a contabilidade pode ser criativa, mas o caixa não mente.

E assim como em Goiás, em outros Estados também o ano de 2019 começará com a realidade dos orçamentos desequilibrados, das folhas de pagamento atrasadas, dos déficits da previdência e das receitas insuficientes para fazer frente a tudo isso. Não haverá como ignorar o problema que só cresceu e que se traduzirá em novas pressões.

Como tudo que se repete, há sempre dois caminhos. Um é o de empurrar o problema para frente – e a frente em finanças públicas é sempre o Tesouro Nacional. Outro é o de enfrenta-lo e fazer, finalmente, o ajuste estrutural necessário e promover um processo de consolidação fiscal que evite que voltemos, dia sim dia também, a novas e duras escolhas de Sofia. De novo.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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