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Um autêntico empreendedor

Além de uma vitoriosa carreira como banqueiro e empresário, foi prefeito de São Paulo e ministro de Sarney

Por Nair Keiko Suzuki
Atualização:

A figura de Olavo Egydio Setubal impressionava pela sua alta estatura, e seu vozeirão ecoava em qualquer ambiente onde se encontrava. Paulistano, nascido na tradicional Maternidade São Paulo a 16 de abril de 1923, Olavão, como era chamado na roda dos jornalistas que acompanhavam a sua carreira de banqueiro, empresário e político, era autêntico. Dizia o que pensava. Mas não de forma abrupta. Ele construía boas frases de efeito. Como a que proferiu, ao tomar posse no cargo de prefeito, em 1975: "Gerir São Paulo é a mesma coisa que gerir uma Suíça e uma Biafra ao mesmo tempo". Veja os fatos mais importantes da vida de Setubal Dotado de forte espírito empreendedor, construiu o império Itaú aos poucos, corrigindo erros e consolidando acertos. Mas foi por acaso que enveredou pelo caminho empresarial. Desde adolescente, ele queria ser engenheiro. Uma das recordações que Olavo Setubal guarda do pai, o advogado e escritor Paulo Setubal - que morreu jovem, de tuberculose, aos 44 anos - é que, quando ele tinha apenas 13 anos, o pai lhe perguntou qual carreira pretendia seguir. Olavo respondeu engenharia e o pai disse: "Meu filho, engenharia é uma carreira de segunda, o Brasil é uma terra de advogados, você deve ser advogado, porque a eles competem a direção deste País". Contrariando a vontade do pai, Olavo Setubal formou-se engenheiro em 1945, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Logo lhe deram um emprego no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), onde trabalhava também o colega de turma da Poli Renato Refinetti. Quando conseguiram juntar o equivalente a US$ 10 mil, ambos decidiram abrir uma pequena empresa, a Artefatos de Metal Deca Ltda. Num pequeno barracão de 10 metros por 30 metros, numa rua do Belezinho - que naquele tempo se chamava Rua dos Amores - começaram a produzir pequenas peças de fundição sob pressão (Die Casting, em inglês, que deu origem ao nome Deca) como fechaduras e peças para torneiras. A empresa sobreviveu a duras penas e deslanchou quando comprou a Indústrias Ferraresi, uma fabricante de válvulas tipo Hydra. Quando cuidava da expansão da Deca, Olavo Setubal foi procurado por Alfredo Egydio de Souza Aranha, irmão da sua mãe, que o orientou profissionalmente desde a morte prematura do pai. O tio convidou-o a dirigir o Banco Federal de Crédito e a Companhia Ítalo Brasileira de Seguros Gerais, que deram origem ao grupo Itaú. O nome Itaú, uma homenagem à cidade mineira, foi uma escolha dos homens de marketing por ser de fácil comunicação: forte, marcante e de grafia fácil. "Fui para o Banco Federal de Crédito e encontrei um banco extremamente primitivo. Aliás, todo o sistema bancário brasileiro era primitivo, isso já em 1959. Era um sistema inteiramente artesanal, gerido por bancários de formação muito modesta, sem nenhuma visão, nem operacional, nem financeira; era a época do desconto da promissória e da duplicata, só e mais nada", contou Olavo Setubal no depoimento que deu, em 15 de outubro de 1986, ao programa "História Empresarial Vivida", na Faculdade de Economia e Administração da USP. "O status social do banqueiro era dado pelo volume de duplicatas que descontava e a função do gerente financeiro das empresas era mandar caixas de vinho no Natal, para o diretor de banco, para obter descontos de duplicatas", prosseguiu Setubal. "Eu olhei aquilo tudo e disse: eu não vim aqui para tomar vinho às custas de clientes e resolvi entrar no campo que sempre me atraiu: o campo da técnica". A trajetória do Banco Itaú, sob o comando de Olavo Setubal, foi fulminante: num curto período de dez anos, de 1965 a 1975, o pequeno Banco Federal de Crédito, o 150º. no ranking de 200 bancos brasileiros, fundiu-se com o Sulamericano, de Luiz Moraes Barros; com o Banco da América, da família Herbert Levy; com o Banco Aliança, do Rio de Janeiro;o Banco Português do Brasil, de José da Silva Gordo; e o Banco União Comercial (BUC), dirigido pelo ex-ministro do Planejamento Roberto Campos. "Apesar de toda a competência e de todo o brilho intelectual de Roberto Campos, o Banco União Comercial tinha entrado num processo de insolvência. Era administrado por alguns homens muito competentes, muitos dos quais estão até hoje no Itaú e por outros muito picaretas que estão por aí e que deveriam estar em outro lugar do que aonde estão", afirmou Setubal no depoimento à USP. Graças à compra do BUC, o Banco Itaú saltou para o segundo lugar no ranking, posição que vem mantendo até hoje. No depoimento ainda, Setubal lembrou que, no meio do processo de fusões e aquisições, encontrou-se, um dia, numa reunião, com Amador Aguiar, fundador do Bradesco. "Ele virou-se para mim e disse: ?Olha Olavo, você vai passar todos eles, mas a mim não?. E a profecia dele é válida até hoje", comentou, como curiosidade para amenizar o depoimento. Enquanto ainda administrava o Banco Federal de Crédito, o tio Alfredo Egydio fundou a Companhia Duratex, junto com amigos como Moraes Barros, do Sulamericano, Erico Sodré, presidente do Banco Bandeirantes do Comércio, e Almeida Prado, presidente do Banco de São Paulo. Sem experiência na área industrial, os banqueiros tiveram dificuldades em administrar a empresa que tinham criado por causa de problemas cambiais que o País enfrentava na década de 1950. Da mesma forma que no caso do banco, o tio passou a Duratex para Olavo Setubal salvá-la. "Apesar de vender um produto mais caro do que um outro que teoricamente era de melhor qualidade, que é o compensado de madeira fina, a Duratex sobreviveu, cresceu e começou a ter êxito", lembrou Setubal. PREFEITO E CHANCELER Enquanto a vida empresarial de Olavo Setubal foi marcada por surpresas preparadas pelo tio Alfredo Egydio, na vida pública, foi o então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, quem o surpreendeu, convidando-o, em janeiro de 1975, a ser prefeito de São Paulo. "Foi uma experiência fascinante, sob todos os aspectos: o profissional, o político e o gerencial", afirmou Setubal no depoimento à USP. Nos quatro anos em que foi prefeito, ele disse que foi ao Banco Itaú apenas em um dos coquetéis de confraternização de fim de ano. "Nunca pus os pés lá; a equipe profissional continuava a dirigir o banco". Uma das principais preocupações do governo de Setubal foi o trânsito - já caótico na época e capaz de travar a Avenida Angélica, em Higienópolis, bairro onde morou. Durante sua gestão, inaugurou a segunda fase da linha Norte-Sul do metrô e iniciou as obras da Leste-Oeste. Teve um cuidado especial com o centro, onde reformou os calçadões da Praça da Sé, Pátio do Colégio, e restaurou o Edifício Martinelli. Além disso, passou o Metrô e a Comgás para as mãos do Estado e unificou vários departamentos de trânsito do município em uma única secretaria, a de Vias Públicas. Nas vésperas de deixar a Prefeitura, em 1979, Setubal deu uma entrevista a uma repórter do Jornal da Tarde, que lhe perguntou: "O que é que o senhor vai fazer agora?". Ele respondeu: "Vou me dedicar à área de informática e fundar uma companhia nessa área". Foi assim que surgiu a Itautec, "como um programa de vida, ao voltar para a vida empresarial". Mas a carreira política ainda não estava encerrada. Seis ou sete meses depois de deixar a Prefeitura de São Paulo, Olavo Setubal recebeu a visita, em sua casa, do então senador Tancredo Neves, que o convidou para ser o organizador do seu partido político, o Partido Popular (PP), em São Paulo. Dessa experiência resultou o convite para ser ministro das Relações Exteriores no governo do presidente José Sarney. Ocupou o cargo por 11 meses e lançou-se candidato ao governo do Estado de São Paulo, um sonho acalentado por muito tempo. Mas, desiludiu-se logo com o partido e com manifestações de sindicalistas que depredaram agências do Banco Itaú em protesto contra algumas das aquisições feitas pelo banco. "O realismo me obriga a aceitar isso", afirmou Setubal, ao comentar as razões da desistência, em março de 1986, da sua candidatura ao governo de São Paulo. Em entrevista concedida ao Estado, em maio de 1988, ele disparou: "Numa conjuntura política em que a característica é uma campanha extremamente agressiva, num cenário brasileiro onde calúnia e ataques pessoais são a regra, eu vi que não tinha condições de disputar um cargo efetivo sem que as organizações nas quais participo viessem a ser agredidas e prejudicadas". A desistência da política o fez desabafar: "Não agüento mais debate, nem palestra, nem mesa redonda, nada. Não atendo a entrevistas. Só me dedico às coisas da minha vida porque não tenho objetivo nenhum de voltar. Não quero viver a vida pública mais." ORGULHO DOS FILHOS Olavo Setubal casou-se aos 23 anos com Matilde, conhecida por dona Tide, com quem teve sete filhos - Paulo Setubal Neto (o mais velho), Maria Alice, (única filha), Olavo Junior, Roberto (presidente do Banco Itaú), José Luís (médico), Alfredo e Ricardo (o caçula). "Tide era uma grande pedagoga, tinha nível superior em pedagogia, o que na época dela era muito raro. Ela usou de muita pedagogia para educar os filhos e com grande êxito", afirmou Setubal na entrevista ao Estado, ao falar da mulher, que faleceu em 1977. Na ocasião, mostrando cada um numa foto da família, ele disse sentir muito orgulho dos filhos e dos netos (atualmente são19). Setubal estava casado, pela segunda vez, com Daisy Salles, de uma família de fazendeiros em Santa Rita do Passa Quatro. Quando se conheceram, há 28 anos, Daisy também era viúva e dedicava-se à atividade de compra e venda de objetos de arte. Os hobbies preferidos de Setubal eram as viagens ao exterior - principalmente para Nova York, Londres e Paris - e, no Brasil, ia com freqüência a Águas da Prata, no interior de São Paulo, onde construiu uma mansão que ocupa um quarteirão no centro da cidade. Para lá ele levou sua biblioteca com livros de história e ensaios, seus quadros e esculturas de artistas famosos. Setubal não andava com dinheiro vivo no bolso. "Só uso cheque, pago tudo com cheque. Mas, pagar mesmo, só restaurante, porque eu não faço compras, eu não compro nada. Tenho horror a fazer compras", dizia. Nessa ojeriza por compras, ele contou que um dia foi a Manaus, a trabalho, e ao passar pela alfândega, na volta, os funcionários do aeroporto lhe pediram a declaração da bagagem. Ante à sua negativa de que tivesse algo a declarar, o funcionário olhou para ele sem acreditar "porque não existe brasileiro que vá a Manaus e volte sem comprar nada". Setubal também odiava dirigir. Tinha carta de motorista mas não se arriscava a guiar em São Paulo com esse trânsito "pavoroso". E dizia que, se lhe oferecessem como opção um Volkswagen com motorista ou um Mercedes-Benz para ele guiar, ficaria com o fusca. Setubal também detestava gavetas em sua mesa de trabalho: "Eu não uso papel nenhum, não guardo absolutamente nada, despacho tudo no ato e quando isso não é possível, delego a alguém".

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