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O Futuro dos Negócios

Opinião|Um certo brilho no olhar

Pessoas que nunca existiram ganham vida com a inteligência artificial. Como separar o real do imaginário?

Atualização:

No final de 2018, três pesquisadores da empresa Nvidia – uma multinacional que desenvolve e fabrica placas de vídeo e chips de propósito específico, com valor de mercado em final de junho de 2021 de aproximadamente 500 bilhões de dólares – divulgaram uma versão preliminar de um artigo científico intitulado “A Style-Based Generator Architecture for Generative Adversarial Networks” (algo como “Uma Arquitetura de Geração baseada em Estilo para Redes Adversariais Generativas”). Além do artigo, Tero Karras, Samuli Laine e Timo Aila disponibilizaram também uma implementação da tecnologia de GANs (Generative Adversarial Networks) com o objetivo de produzir rostos humanos que nunca existiram.

GANs foram idealizadas por Ian Goodfellow, um PhD em Machine Learning (Aprendizado de Máquina, uma importante área de estudo da Inteligência Artificial) pela Universidade de Montreal, atualmente empregado pela Apple depois de uma passagem de cerca de quatro anos pela Google. De forma simplificada, a técnica faz com que duas redes neurais artificiais (assim chamadas pois são inspiradas na estrutura de neurônios e conexões do cérebro humano) compitam entre si na criação de dados sintéticos que podem ser confundidos com os dados originais. Esse tipo de tecnologia é amplamente utilizado na geração de imagens, vídeos e vozes.

Site This Person Does not Exist apresenta fotos de humanos que nunca existiram. Foto: ThisPersonDoesnotExist.com via The New York Times

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Um dos exemplos mais famosos da implementação de um GAN foi feito por Phillip Wang, formado em medicina (Universidade de Michigan) e em engenharia elétrica (Cornell) e com mestrado em engenharia biomédica (também em Cornell). Em fevereiro de 2019, ele criou o site This Person Does not Exist (“EssaPessoaNãoExiste.com”) que, como o próprio nome diz, apresenta “fotos” absolutamente realistas de seres humanos que jamais nasceram. Não é possível distinguir essas imagens (geradas por uma entidade artificial) de fotos reais – algo que você mesmo pode tentar fazer no site Which Face is Real (traduzindo, “QualRostoÉVerdadeiro.com”).

Este último site foi criado por Jevin West e Carl Bergstrom, do departamento de Biologia da Universidade de Washington. Suas áreas de interesse incluem comportamento, evolução e biologia computacional, e juntos publicaram em 2020 o livro “Calling Bullshit: The Art of Skepticism in a Data-Driven World” (algo como “Não seja enganado: a arte do ceticismo em um mundo movido a dados”). De acordo com West, “É difícil aprender e confiar nas informações se não estivermos cientes de algumas das maneiras como elas são manipuladas”. O curso que ensinam desde 2017 cobre interpretação de visualizações de dados, identificação de fake news e os riscos que a própria literatura científica está correndo (algo que discutimos aqui).

No mundo pós-verdade, inundado por notícias falsas, vídeos manipulados e imagens adulteradas, a própria tecnologia será um elemento fundamental no combate à desinformação. Uma das ferramentas para isso foi desenvolvida na Universidade de Buffalo, no estado de Nova Iorque. O trabalho dos pesquisadores Shu Hu, Yuezun Li e Siwei Lyu, do departamento de Ciência de Computação e Engenharia, foi capaz de identificar com 94% de precisão se um rosto pertencia de fato a alguém ou se era uma imagem sintética, criada por um computador. A técnica utilizada analisa a forma como a luz é refletida nos olhos da pessoa fotografada: quando olhamos para alguma coisa, a imagem do que vemos é refletida em ambos os olhos de forma semelhante. Nas imagens geradas por GANs, este fenômeno não costuma acontecer devido à forma como estas são construídas.

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Mas não são apenas imagens que precisam ser validadas – vídeos e áudios também. Em setembro de 2020, a Microsoft lançou o Microsoft Video Authenticator (ou “Autenticador de Vídeos”). A ferramenta fornece, em tempo real, uma probabilidade que indica se o vídeo que está sendo assistido é falso, através da detecção de elementos impossíveis de serem percebidos a olho nu.

Foi justamente expandindo nossa capacidade de visão com telescópios que fomos capazes de descobrir a enormidade do cosmos e os imensos espaços vazios que existem entre as galáxias. Desmontamos e remontamos o átomo e manipulamos o código genético que está por trás de todas as coisas vivas. Mas agora estamos falhando – precisamente quando as descobertas científicas e as invenções mais poderosas da história estão em nossas mãos – nas tarefas que são críticas para nossa sobrevivência. Eliminando desperdícios. Diferenciando o humano do artificial. Separando a verdade das mentiras. Em nossa próxima coluna, iremos falar sobre como a tecnologia pode atuar para atacar um dos nossos maiores desafios: a crise climática. Até lá.

*FUNDADOR DA GRIDS CAPITAL E AUTOR DO LIVRO "FUTURO PRESENTE - O MUNDO MOVIDO À TECNOLOGIA", VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI 2020 NA CATEGORIA CIÊNCIAS. É ENGENHEIRO DE COMPUTAÇÃO E MESTRE EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Opinião por Guy Perelmuter
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