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Um dedo-duro na mira de bancos suíços

Perseguido e ameaçado por vazar dados de clientes milionários, Hervé Falciani está disposto a colaborar com as autoridades francesas

Por DOREEN CARVAJAL , RAPHAEL MINDER e PARIS
Atualização:

Hervé Falciani é um dedo-duro - o Edward Snowden do sistema bancário. Caçado por investigadores suíços, preso por espanhóis, afirma ter sido sequestrado por agentes israelenses do Mossad ansiosos por acesso aos dados dos clientes roubados por ele enquanto trabalhava para uma importante instituição financeira em Genebra.

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"Estou fraco e sozinho", disse Falciani, enquanto três seguranças destacados pelo governo francês para ficar ao seu lado 24 horas por dia o observavam com olhar severo. A proteção é necessária, insistiu, pois enfrenta risco constante. Ocorre que ele é a única pessoa capaz de decifrar os dados em código de cinco CD-ROMs que contêm uma lista de cerca de 130 mil indivíduos que têm contas bancárias e poderia se tornar o maior vazamento do mundo secreto das instituições bancárias suíças.

Mas, enquanto sentava num bistrô para almoçar, Falciani, ex-técnico de informática que vive fugindo desde 2008, parecia relaxado para um fugitivo. E por que não? Outrora menosprezado por várias autoridades europeias, ele e outros dedos-duros agora estão sendo cortejados na batalha travada por governos europeus ansiosos por encher seus cofres numa cruzada contra a sonegação de impostos e a corrupção.

"É uma guerra econômica", disse Falciani, alto e magro, 41 anos, e uma barbicha preta. Os críticos, principalmente seu antigo empregador, o HSBC, acham Falciani um manipulador, mais fascinado pelo dinheiro do que fiel a ideais. Os dados que ele vazou - segundo alguns, vendeu - desde 2008, provocaram o caos no universo bancário, e também entre as classes mais ricas e políticas da Europa.

As informações de Falciani serviram de base para a atualmente famosa "Lista de Lagarde", que arrasou a política grega com revelações de que oligarcas e políticos sonegavam impostos escondendo milhões na Suíça. Seus dados teriam ajudado também a Espanha a recuperar 260 milhões (US$ 345 milhões) em impostos e a identificar mais de 650 sonegadores, entre eles o presidente do Banco Santander.

Em 2012, Falciani passou suas informações para as autoridades americanas. Elas, em troca, usaram os dados para desencadear uma investigação com a finalidade de apurar se o HSBC ignorou os controles de lavagem de dinheiro, forçando um acordo de US$ 1,92 bilhão com o banco, em dezembro.

Desde que saiu da prisão, este ano, quando um juiz espanhol negou um pedido de extradição suíço, Falciani, que é casado e tem uma filha jovem, reapareceu na França. As autoridades do país ofereceram-lhe proteção em troca de informações aos promotores que investigam se o HSBC ajudou franceses a sonegar. "Meu principal objetivo é ajudar as autoridades a montar um plano de defesa."

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Falciani, que nasceu em Mônaco e estudou na França, trabalhava numa função obscura no HSBC. Em 2005, foi promovido e transferido para Genebra. No ano seguinte, contou que falou aos seus chefes que estava preocupado com as falhas da segurança do sistema de informática da Suíça, que poderiam permitir a violação da privacidade dos depositantes. O banco nega ter sido alertado por ele.

De início, Falciani disse que foi ignorado pelos burocratas alemães que não se interessaram por todos aqueles dados. Suas informações também foram menosprezadas na França pelo governo Sarkozy, quando "as autoridades tentaram fazer desaparecer as provas e não quiseram saber do que se tratava".

Então a economia europeia entrou numa profunda crise, e os governos começaram a se interessar. Em documento da Assembleia Nacional francesa divulgado em julho, o parlamentar Christian Eckert recriminou as autoridades pela demora em usar a lista de Falciani. Segundo Eckert, as informações incluíam 127.311 clientes, entre eles 6.313 franceses suspeitos de sonegação.

O HSBC desmente as informações de Falciani, insistindo que a pequena amostra analisada está repleta de erros. Na época em que ele era um dos funcionários, o banco afirma que tinha 100 mil clientes, e os dados roubados se referiam apenas a 15 mil. "Pelo que nós sabemos, a intenção de Falciani sempre foi vender os dados", disse David Brügger, um porta-voz do banco, em um e-mail.

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Essa teoria é reiterada por Georgina Mikhael, ex-consultora de informática do HSBC, que trabalhou com Falciani em Genebra. Ela diz que ajudou Falciani a montar uma empresa em Hong Kong para vender dados a outros bancos, por acreditar que ele obtivera as informações "garimpando" na internet. Georgina contou que foram ao Líbano em 2008 para vender serviços a quatro bancos. E começou a suspeitar quando Falciani insistiu em usar um nome árabe falso, Ruben Al-Chidiak, em seus negócios.

Georgina, que está desempregada e mora no Líbano, sua terra natal, diz que foi amante de Falciani, acreditando que ele iria se divorciar. Agora, moveu um processo por difamação contra ele na França, porque Falciani declarou que foi sequestrado por agentes do Mossad em Genebra, que procuravam informações bancárias sobre pessoas com vínculos com o Hezbollah, inclusive ela. Georgina afirma que não tem vínculo com o Hezbollah e é cristã.

Falciani contesta estar vendendo suas informações por dinheiro e que as afirmações de Georgina "fazem parte de planos" de algumas pessoas para prejudicar sua reputação. "Jamais eu ou alguma pessoa próxima a mim pediu ou aceitou dinheiro em troca de informações", afirmou.

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Em 2012, as autoridades suíças discutiram um acordo pelo qual ele se declararia culpado de roubar dados e a sentença seria suspensa, se parasse de dar informações. Falciani disse que concordou para se proteger, enquanto esperava um novo governo na França que levasse mais a sério suas informações.

Agora que os ventos políticos mudaram, Falciani quer continuar a colaborar com os franceses. Enquanto as investigações prosseguem, ele trabalha num projeto da União Europeia na área de informática. Mas teme por sua segurança. Sua casa foi arrombada e sua esposa foi demitida do emprego numa sapataria por causa da notoriedade do marido. "Este negócio representa milhares de bilhões de euros", diz ele. "Estou apavorado".

/ TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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