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'Um erro histórico e trágico dos alemães'

A Alemanha não quer participar de nada que se assemelhe ao Plano Marshall na crise do euro e será odiada por isso

Por SPIEGEL ONLINE
Atualização:

Com os chefes de Estado e governo da União Europeia reunidos em Bruxelas para encontrar uma saída para a crise do euro, o investidor George Soros está pessimista. Para ele, é muito difícil que se encontre uma solução e o tempo está ficando curto. Em entrevista à Spiegel Online, ele alerta que a Alemanha pode se tornar uma odiada potência imperialista. A seguir, trechos da entrevista.

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Na Alemanha, que foi o motor da integração europeia, as pessoas discutem abertamente a possibilidade de uma saída da zona do euro. Muitos alemães acreditam que seria mais barato retornar ao marco alemão do que permanecer preso a uma união monetária combalida. Eles estão certos?

Não há dúvida que um afastamento do euro será muito prejudicial e muito caro, tanto financeira como politicamente. E o maior prejuízo será da Alemanha. Os alemães precisam ter em mente que, na verdade, até agora não sofreram nenhuma perda. As transferências foram todas feitas na forma de empréstimos e eles somente sofrerão prejuízos se esses empréstimos não forem resgatados.

Contudo, em pesquisas mostram que muitos alemães não acreditam que os empréstimos dados à Grécia ou outros países serão resgatados. A preocupação deles é de que a Alemanha está à mercê do resto da Europa.

Mas este seria o caso somente se o euro desaparecesse. Temos presenciado uma tremenda fuga de capital, não só da Grécia, mas também da Itália e da Espanha. Todas essas transferências resultarão em créditos a serem reivindicados pelos bancos dos países credores dos bancos centrais dos países devedores. Acho que os créditos reivindicados pelo Bundesbank excederão um 1trilhão no fim deste ano.

Se a zona do euro entrar em colapso, esses créditos podem perder virtualmente todo o valor. A chanceler Angela Merkel estaria apenas blefando quando flerta com a ideia de uma saída da Alemanha da zona do euro?

A Alemanha pode deixar a zona do euro, mas isso ficará incrivelmente caro. Acabei de ler o relatório do ministério alemão de Finanças, que estima os custos de uma saída da zona do euro em termos de emprego e atividade econômica, e em ambos os casos eles são reais. E como a situação é esta, a Alemanha sempre fará o mínimo para preservar o euro. Fazendo o mínimo, contudo, ela perpetuará uma situação em que os países devedores da Europa terão de pagar um ágio tremendo para refinanciar sua dívida. O resultado será uma Europa em que a Alemanha é encarada como uma potência imperialista, não amada nem admirada pela Europa, mas odiada e rechaçada porque será vista como uma potência opressora.

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Por que a Alemanha deve assumir toda culpa? Afinal, outros países da União Europeia se esquivaram às necessárias reformas estruturais

Não há nenhuma dúvida que os países que contabilizam hoje uma dívida muito grande não realizaram as reformas estruturais que a Alemanha levou a cabo e, por isso, estão em posição de desvantagem. Mas o problema é que essa desvantagem vem se tornando cada vez mais pronunciada por causa das políticas punitivas adotadas. Hoje a Itália precisa gastar 6% do seu PIB, anualmente, para se nivelar com a Alemanha porque tem de pagar muito mais para refinanciar sua dívida. O país não encontra maneira de suprir essa brecha de competitividade com a Alemanha.

Mais uma vez, qual é essa responsabilidade da Alemanha?

É a responsabilidade conjunta de todos que participaram da introdução do euro sem compreender as consequências. Quando o euro foi introduzido, os órgãos reguladores permitiram que os bancos adquirissem quantidades ilimitadas de títulos governamentais sem uma reserva para o capital social. E o Banco Central Europeu (BCE) descontou todos os títulos em condições iguais. De modo que os bancos comerciais acharam vantajoso acumular títulos de países mais debilitados para obter alguns pontos-base extras.

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E isso fez despencar os juros?

Sim. E as taxas de juro mais baixas serviram de combustível para o boom de consumo e imobiliário em países como Espanha e Irlanda. Ao mesmo tempo, a Alemanha, que lutava com os custos da reunificação, apertou o cinto e ficou mais competitiva. Tudo isso levou a uma enorme divergência em termos de desempenho econômico. A Europa ficou dividida entre países credores e países devedores. Todas estas condições foram criadas pelas autoridades europeias, incluindo o BCE, que foi concebido amplamente com base no modelo do Bundesbank. Nenhum país se beneficiou mais com o euro do que a Alemanha, do ponto de vista político e econômico.

Os alemães lembram o nascimento do euro de modo muito diferente. Eles acham que precisaram renunciar ao marco alemão para que as nações da U E concordassem com a reunificação alemã.

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Verdade. A integração da Europa foi liderada por uma Alemanha que estava sempre disposta a pagar um pouco mais para chegar a um compromisso que todos aceitassem, pois estava ansiosa para conseguir o apoio europeu à reunificação. Esta foi a "visão de longo alcance", que criou a União Europeia.

Atualmente não precisamos de uma visão similar?

Quero traçar um paralelo entre o que ocorre com a zona do euro neste momento e o que sucedeu após a 2.ª Guerra, quando o sistema de administração monetária de Bretton Woods foi criado para governar a economia global. Na época, os EUA eram o centro daquele sistema e o dólar a moeda global dominante. Era um mundo livre dominado pelos EUA. Mas os EUA conquistaram essa posição fornecendo imensos fundos para a reconstrução da Europa por meio do Plano Marshall. E se tornaram uma potência imperialista benevolente e, por isso, se beneficiaram enormemente.

Como essa situação pode ser comparada à que nos encontramos hoje?

A Alemanha está hoje numa posição similar, mas não quer participar de qualquer coisa que se assemelhe ao Plano Marshall.

O Plano Marshall, embora importante, era equivalente a uma pequena fatia do PIB dos Estados Unidos. Os pagamentos potenciais referentes ao programa de socorro do euro podem ser muito maiores do que a Alemanha conseguirá arcar.

Bobagem. Quanto mais amplo e convincente for um programa de redução da dívida, menos probabilidade ele tem de fracassar. E lembre-se, da mesma maneira que a Alemanha foi grata aos EUA pelo Plano Marshall, a Itália ficaria grata à Alemanha por ajudá-la a reduzir seus custos de refinanciamento. E se a Alemanha colaborar, poderá estabelecer as condições. E a Itália ficará satisfeita em atender a essas condições, pois vai se beneficiar. Não reconhecer essa oportunidade é um erro histórico e trágico dos alemães.

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Por que os americanos apoiaram o Plano Marshall na época, ao passo que hoje os alemães apoiam a forte pressão de Merkel no sentido da austeridade?

Os EUA sentiram-se vitoriosos e generosos após a 2.ª Guerra. E também haviam aprendido com os erros cometidos durante a 1.ª Guerra, quando impuseram uma punição à Alemanha. E no que a Alemanha se transformou? Numa ditadura nazista que ameaçou o mundo. A Alemanha de hoje não se sente tão próspera e generosa como os EUA naquela época. Mas na verdade a Alemanha ainda é muito próspera.

É exatamente essa prosperidade que eles temem perder.

É uma visão estreita. Hoje, não existe nenhum sinal de crise na Alemanha. Mas se a crise do euro não for solucionada rapidamente, muito em breve eles começarão a sentir o declínio global na atividade econômica.

O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schaeuble afirmou que chegou a hora de adotar medidas corajosas. E esboçou ideias para uma união política mais estreita na Europa.

Schaueble representa a Alemanha de Helmut Kohl. Ele é o último alemão pró-europeu e uma figura trágica, pois sabe o que precisa ser feito, mas também sabe dos obstáculos no caminho e não consegue encontrar uma maneira de vencer tais obstáculos. De modo que ele está de fato sofrendo.

Qual seria seu conselho para o ministro Schaeuble?

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O problema-chave é a restruturação da dívida na zona do euro. Enquanto o peso da dívida não for reduzido não existe probabilidade de os países mais debilitados na UE reconquistarem a competitividade.

E como conseguir isso?

Eu proponho a criação de uma Autoridade Fiscal Europeia que, em parceria com o Banco Central Europeu, poderia fazer o que o BCE não consegue fazer sozinho. Ela estabeleceria um Fundo de Redução de Dívida similar ao que foi proposto pelo Conselho de Assessores Econômicos de Merkel e endossado pelos membros do Partido Social Democrata e do Partido Verde. Se Itália e Espanha realizassem as reformas estruturais especificadas, o Fundo então adquiriria e manteria uma parte significativa da dívida pendente desses países.

E de onde viria o dinheiro para adquirir esses títulos soberanos?

O fundo financiaria as compras com a emissão de Títulos do Tesouro Europeu (uma variação dos eurobônus) e os benefícios do financiamento barato seriam passados para os países afetados. Essa medida geraria situação mais justa e equilibrada. A Itália poderia financiar metade de sua dívida a 1% e a outra metade também cairia, propiciando alívio de fato para Itália e Espanha.

E uma vez esses países combalidos pela crise sentirem esse alívio eles podem deixar de implementar reformas mais severas.

Bem ao contrário: as reformas ficarão muito mais fáceis. Tudo tem a ver com incentivos. No caso da Itália, o governo do primeiro-ministro Mario Monti gostaria de implementar reformas no mercado de trabalho muito mais drásticas do que pode fazer agora.

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Esse plano ajudaria a Grécia a permanecer na zona do euro?

É improvável. Socorrer a Grécia exigirá uma enorme dose de magnanimidade e generosidade. A situação nesse país ficou excessivamente envenenada. Acho que Merkel, mantendo-se firme e não se comprometendo com a Grécia, estaria em melhor posição para convencer a sociedade alemã a ser mais generosa para com outras nações e distinguir entre os bons e os maus na Europa.

O sr. concorda com afirmação dela de que a Europa cairá se o euro cair?

Sim. Porque a longo prazo você não pode ter um mercado comum sem uma moeda comum.

Se o sr. ainda fosse um investidor ativo estaria tentado a fazer grandes apostas contra o euro?

Como investidor eu estaria muito pessimista. Mas como alguém que acredita numa sociedade aberta, tenho de confiar que as pessoas e os líderes da Europa terão bom senso. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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