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Um fim para o pesadelo da Grécia

Programa econômico imposto aos gregos pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia nunca teve a menor chance de dar certo

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Alexis Tsipras, líder da coalizão de esquerda Syriza, tornou-se o primeiro-ministro da Grécia. É o primeiro líder europeu a ser eleito com a promessa explícita de desafiar as políticas de austeridade que prevaleceram desde 2010. E é claro que não faltará quem o alerte para abandonar essa promessa, comportando-se de maneira "responsável". E qual foi o resultado de tanta responsabilidade até o momento? Para compreender o terremoto político na Grécia, ajuda se analisarmos o "acordo provisório" assinado em maio de 2010 entre Grécia e o Fundo Monetário Internacional, sob o qual a chamada troica - FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - ofereceu empréstimos ao país em troca de uma combinação de austeridade e reforma. Trata-se de um documento notável, no pior sentido possível. Enquanto fingia ser determinada e realista, a troica vendeu uma fantasia econômica. E o povo grego está pagando o preço dos delírios dessa elite. Como vemos, as projeções econômicas que acompanharam o acordo provisório supunham que a Grécia seria capaz de impor uma rigorosa austeridade fiscal sem que isso afetasse muito o emprego e o crescimento. A Grécia estava em recessão quando o acordo foi estabelecido, mas as projeções indicaram que esse declínio logo chegaria ao fim - que haveria apenas uma ligeira contração em 2011, e já em 2012 a Grécia estaria em recuperação. As projeções reconheciam um aumento substancial no desemprego, de 9,4% em 2009 para quase 15% em 2012, mas em seguida os desempregados começariam a diminuir rapidamente. O que ocorreu de fato foi um pesadelo econômico e humano. Longe de chegar ao fim em 2011, a recessão grega ganhou força. O país só chegou ao fundo do poço em 2014 e, a essa altura, o país já tinha passado por uma depressão plena, com o desemprego geral chegando a 28% e o desemprego entre os jovens perto da casa dos 60%. E a recuperação que está agora em curso, nos termos presentes, é quase invisível, sem oferecer a perspectiva de retornar num futuro previsível ao padrão de qualidade de vida anterior à crise. O que deu errado? Com frequência vejo comentários segundo os quais a Grécia não teria cumprido sua parte das promessas, sem realizar os cortes de gastos. Nada poderia ser mais distante da verdade. O fato é que a Grécia impôs cortes absurdos aos serviços públicos, salários dos funcionários do governo e benefícios sociais. Graças a repetidas ondas de austeridade adicional, os gastos públicos foram cortados muito além do ponto pretendido pelo programa original, e o país gasta atualmente 20% menos do que em 2010. Mas os problemas gregos só pioraram desde o início do programa. Um dos motivos para isso é o fato de o declínio econômico ter reduzido a arrecadação: o governo grego recolhe em impostos uma parcela do PIB substancialmente maior do que antes, mas o PIB caiu tão rápido que a arrecadação total está em baixa. Além disso, o PIB em queda livre fez com que outro indicador fiscal importante, a proporção entre PIB e dívida, continuasse aumentando por mais que o crescimento da dívida tenha desacelerado e a Grécia tenha recebido um modesto perdão de dívidas em 2012.Sem cautela. Por que as projeções originais foram tão absurdamente otimistas? Como já disse, porque governantes supostamente determinados estavam na verdade promovendo uma ciência econômica falaciosa. Tanto a Comissão Europeia quanto o Banco Central Europeu decidiram acreditar na fadinha da confiança - ou seja, afirmar que os efeitos diretos destrutivos dos cortes de gastos sobre o emprego seriam facilmente compensados por uma alta acentuada no otimismo do setor privado. O FMI foi mais cauteloso, mas ainda assim subestimou muito o estrago que a austeridade provocaria. E isso não é tudo: se a troica tivesse sido de fato realista, teria reconhecido que estava pedindo o impossível. Dois anos após o início do programa grego, o FMI buscou exemplos históricos de programas ao estilo grego - tentativas que quitar dívidas por meio da austeridade, sem nenhum perdão da dívida nem inflação - que tiveram sucesso. Nenhum foi encontrado. Assim, agora que Tsipras foi eleito, e com uma vitória expressiva, os governantes europeus fariam bem se dispensassem os sermões pedindo que ele aja com responsabilidade e aceite o programa deles. O fato é que eles não têm nenhuma credibilidade; o programa imposto por eles à Grécia nunca fez o menor sentido. Jamais funcionaria. Talvez o único problema do Syriza seja o fato de não serem ainda mais radicais. O perdão de parte da dívida e o relaxamento da austeridade reduziriam o sofrimento econômico, mas não sabemos se seriam suficientes para produzir uma recuperação robusta. Por outro lado, não está claro o que mais um governo grego poderia fazer a não ser que esteja disposto a abandonar o euro, e o público grego não está pronto para isso. Ainda assim, ao pedir grandes mudanças, Tsipras é muito mais realista do que os governantes que desejam que as surras prossigam até que o moral da tropa melhore. O restante da Europa deve dar a ele uma chance de encerrar o pesadelo de seu país. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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