A força do projeto reside em três pontos fundamentais: 1) ele é autorizativo e, como tal, não cria qualquer tipo de obrigação; 2) o potencial arrecadatório é de cerca de R$ 55 bilhões, no caso da União, e de R$ 30 bilhões, no de Estados e municípios; e 3) se aprovado, ele criará uma norma geral, conferindo segurança jurídica aos entes que já realizam a chamada securitização e aos que esperam esse lastro para ir adiante.
Não se trata de operação de crédito, empréstimo ou coisa que o valha. A medida tem que ver com fatos já ocorridos, isto é, tributos não pagos que se transformaram em dívida e que geram, naturalmente, um fluxo de pagamentos espalhado no tempo. O objetivo principal é autorizar os entes da Federação a venderem sua dívida ativa, que é um ativo como outro qualquer.
O texto do projeto é muito direto ao definir que as operações de cessão de crédito devem corresponder a operações definitivas e que não acarretem para o cedente a responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso financeiro. Não por outra razão o Tribunal de Contas da União tem se mostrado favorável ao PL 204. Afinal, antes de tudo, é preciso reforçar o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os episódios da contabilidade criativa ensinaram o setor público a não brincar com fogo.
Estamos tratando, pois, de alienação de ativos (cessão definitiva de direitos). Não custa lembrar que, a rigor, o recurso já deveria estar no caixa dos governos. Só não está porque houve atraso no pagamento, o que ensejou a formação de um ativo detido pelo setor público: créditos tributários.
Quem defende o contrário não respeita o próprio conceito previsto no art. 29, inciso III, da LRF. A regra é clara: operação de crédito pressupõe compromisso financeiro. Insistimos nesse aspecto para afastar qualquer crítica que resvale neste ponto.
Essas operações têm o mesmo efeito fiscal da venda de um bem. Entra dinheiro no lugar do patrimônio. Ou seja, receita primária no sentido estrito da palavra. É diferente, por exemplo, da situação em que o governo lança um título público em mercado, arrecada o recurso correspondente, mas contrai o compromisso de pagar juros sobre aquele papel ao seu detentor.
Outro ponto importante: os recursos devem ser aplicados obedecendo à regra prevista no art. 44 da LRF, que determina que os recursos oriundos da venda de ativos não podem ser destinados para financiar despesas correntes. O risco de estímulo à expansão fiscal está, por essa razão, afastado.
Uma crítica recorrente é a de que emitir dívida pública nova seria menos custoso do que vender esse ativo com um deságio importante para o mercado. O erro grave, aqui, é ignorar o fato de que a dívida bruta está galopando a uma taxa de 1 ponto de porcentagem do PIB ao mês. No ritmo atual, a dívida atingirá 100% do PIB até 2020.
Diante deste quadro, emitir mais títulos públicos seria um enorme tiro no pé. A percepção de risco sobre o governo e o País aumentaria, dificultando sobremaneira a gestão da dívida e criando mais obstáculos ao ajuste fiscal. Esse é o contexto que justifica o apelo a alternativas aparentemente subótimas, mas, na verdade, imprescindíveis em momentos como o atual.
Enfim, o projeto apresentado representa um importante passo para o fechamento das contas públicas a curto prazo. A venda desses ativos dará um fôlego importante aos gestores da política fiscal, inclusive para que possam ganhar tempo, no Congresso, com o fim de encaminhar reformas com efeitos para o médio e o longo prazos.
*Coautor do livro 'Finanças Públicas: da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade" (Editora Record); especialista em contas públicas e analista do Senado Federal