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Um personal trainer no seu pulso

Aparelhos antes confinados ao universo dos esportes de alto rendimento chegam ao varejo e devem movimentar US$ 12 bilhões em 4 anos

Por Bruno Capelas
Atualização:

Todos os dias, de segunda a sábado, o analista de sistemas Maurício Martins de Andrade sai de casa às 6 da manhã para fazer atividades físicas antes de trabalhar. Triatleta amador, Andrade frequenta uma academia na zona leste de São Paulo. Seu uniforme - tênis, shorts e regata - não é muito diferente dos demais, a não ser por um detalhe: ele traz no pulso um relógio inteligente, da marca Garmin. "O bom da tecnologia é você ter um histórico dos seus treinos, e poder ver junto com seu técnico como está seu rendimento", diz.

Antes confinados ao universo do esporte de alto rendimento, aparelhos capazes de medir batimentos cardíacos, a velocidade dos passos e os deslocamentos do usuário estão se tornando cada vez mais populares ao serem abraçados por marcas como Sony, Samsung, Motorola e LG, na onda dos chamados dispositivos vestíveis.

Em 2014, de acordo com a expectativa da consultoria IDC, foram vendidos 19 milhões de relógios, pulseiras, óculos e rastreadores de atividades físicas. A previsão é de que, em quatro anos, as vendas cheguem a 120 milhões, em um mercado de US$ 12 bilhões. Para este ano, pesa ainda a chegada de um concorrente de peso: o Apple Watch, anunciado em setembro.

Para a indústria, os vestíveis são um passo adiante para consumidores que já se acostumaram a ter um "pequeno computador" no bolso. Mais do que estarem acoplados ao corpo, porém, os vestíveis têm como grande vantagem rastrear as atividades feitas pelo usuário.

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Personal trainer.

O primeiro filão a ser explorado não poderia ser outro que não o da área de fitness e bem-estar - Sony e Samsung, por exemplo, além de terem dispositivos próprios que se integram a smartphones, também lançaram aplicativos (S Health e Lifelog, respectivamente) para facilitar as informações ao usuário. Ambos podem se integrar aos relógios e pulseiras das empresas para captar dados sobre batimentos cardíacos, número de passos dados no dia e até mesmo o gasto e ingestão calórica do usuário.

"O objetivo da aplicação é facilitar o dia a dia do usuário, dando dicas, recomendando padrões de treino, alimentação, além de integrar a informação em um lugar só", diz Ricardo Araújo, gerente de produto da Samsung. Outra função interessante do aplicativo é medir o nível de raios ultravioleta, para saber se é seguro se expor ao sol sem riscos de prejudicar a pele.

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Já o Lifelog, por sua vez, além de acompanhar a atividade do usuário, é capaz de mostrar também se ele passa mais tempo lendo, tirando fotos ou conversando no WhatsApp. "É um app para te ajudar com as suas metas, sejam elas dar 15 mil passos por dia ou ler 15 minutos a mais a cada semana", explica Joe Takata, gerente de produtos da Sony Mobile no Brasil.

Diretor da unidade Kansas da Companhia Athletica, na zona sul de São Paulo, Gary Schulze não vê os vestíveis como inimigos. "Com um relógio ou uma pulseira, será possível analisar o que o aluno faz o dia inteiro e indicar melhores exercícios para ele. Hoje, é tudo na 'chutometria', mas isso vai mudar."

Na rede de academias Bodytech, por exemplo, hoje os alunos já podem conectar seus smartphones aos aparelhos da academia, para que tudo fique registrado no celular. "Quanto mais você consegue saber e visualizar os dados do seu corpo, há um estímulo maior para continuar a treinar e alcançar um objetivo", diz Samuel Tonin, gerente de tecnologia da rede.

Para Gary Schulze, o lançamento de aparelhos como o Apple Watch, primeira investida da empresa criada por Steve Jobs nos vestíveis, vai estimular as pessoas a fazerem exercícios físicos. "As pessoas vão querer comprar um relógio de US$ 500 em dez parcelas, como hoje fazem com o iPhone."

Enfermeiro.

A utilidade dos vestíveis, no entanto, não deve ficar restrita apenas às academias, piscinas e pistas. No campo da saúde, seu potencial é enorme. Para Joe Takata, gerente de produtos da Sony Mobile, em poucos anos poderemos ver relógios e pulseiras capazes de medir pressão sanguínea e monitorar o coração com precisão suficiente para serem recomendados por médicos - hoje, segundo o executivo, já são uma boa referência para os usuários.

Outro movimento que mostra como a indústria da tecnologia está interessada na medicina é uma parceria entre a farmacêutica Novartis e o secreto laboratório X, do Google. Responsável por inovações como o Google Glass, o carro sem motorista desenvolvido pela empresa, e o Projeto Loon, que quer conectar o planeta à internet com balões pelo mundo, o laboratório X está desenvolvendo junto com a Alcon, divisão de produtos oftalmológicos da Novartis, um conjunto de lentes de contato inteligentes, capazes de ajudar tanto pacientes com diabetes quanto com presbiopia (a popular "vista cansada").

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"A tecnologia de lentes inteligentes envolve utilização de sensores miniaturizados embutidos nas lentes de contato, com potencial de ajudar os 350 milhões de diabéticos e mais de 1,7 bilhão de pessoas com presbiopia no mundo todo", diz o CEO da Alcon, Jeff George. Por meio do fluido lacrimal, a lente seria capaz de medir continuamente o nível de glicose no sangue do usuário e enviar os dados a um smartphone. No caso da presbiopia, a lente poderia se acomodar ao paciente e promover a correção da visão, restaurando o foco natural do olho.

E isso é só o começo: se chips na pele parecem ideia de filmes de ficção científica (como Matrix), é melhor pensar duas vezes. Startups americanas, como a UnderSkin e a MC10, já desenvolvem sensores internos à epiderme, capazes de medir tudo o que um relógio inteligente ou uma pulseira medem hoje, com o visual de uma tatuagem. "Temos o menor computador, mais vestível, flexível e capaz de coletar todos os dados biométricos ligados ao seu movimento", disse Scott Pomerantz, CEO da MC10, ao New York Times, em reportagem de novembro.

Se, por um lado, a ideia de ter algo seguindo as atividades do corpo humano pode nos tornar uma espécie de super-homens, capazes de combater qualquer doença em seu estágio inicial, por outro lado preocupa a maneira como esses dados podem ser geridos em termos de privacidade e segurança, em mais um embate sobre o medo gerado pelas novidades tecnológicas e a maneira como nos adaptamos a elas. Aguenta, coração.

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