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Um risco desnecessário

Por Antônio M. Buainain e Pedro Loyola
Atualização:

A agricultura brasileira é um dos poucos setores que ainda não sucumbiram aos efeitos da crise no País. Detentora de números robustos, é sempre bom lembrar que é a base do agronegócio, o qual responde por 35% dos empregos, 22,5% do PIB e 43% das exportações. Se para o longo prazo as perspectivas ainda são excelentes, preços internacionais em queda, aumento significativo dos custos e flutuações do câmbio turvam o horizonte imediato e elevam as já altas incertezas e riscos característicos da agropecuária. Apesar disso, os agricultores fazem sua parte: tanto o IBGE como a Conab esperam safra recorde de grãos para o período 2015/2016, cujo plantio ainda está em marcha, com expansão de 1,5% da área plantada. E o governo, tem feito a sua parte? Nem tanto, principalmente quando se leva em conta a importância do setor! A análise das ações e declarações revela certa inconsistência e algumas contradições na política agrícola. Do lado positivo pode-se indicar que, apesar da elevação da taxa de juros e de atrasos na liberação dos recursos, 1/3 de todos os agricultores conseguiu financiamento oficial. Por outro lado, 2/3 continuaram tendo de usar recursos próprios ou outros mecanismos, como a venda antecipada e a troca de insumos por produtos, ainda que em condições significativamente mais desfavoráveis que nos anos anteriores. Do lado negativo, é preciso destacar a decisão de cortar os recursos orçamentários do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural, que viabiliza a contratação do seguro, único mecanismo de mitigação de riscos associados a eventos climáticos e que garante o pagamento do financiamento da produção agrícola. Em 2014 só 14% da área agrícola do País teve a cobertura de seguro, muito pouco em relação aos riscos e prejuízos potenciais associados às catástrofes climáticas que afetam a maior parte da agricultura brasileira, de sequeiro e, por isso, dependente do regime de chuva. Mas isso representou apólices para 118 mil produtores, contingente nada desprezível. Com o corte de 56% dos recursos do programa, mais de 60 mil produtores serão prejudicados e podem ficar sem seguro. A decisão surpreendeu, uma vez que a ministra da Agricultura tem destacado o fortalecimento da classe média de produtores rurais e do próprio seguro agrícola como prioridades do governo. Os cortes no orçamento do ministério acertaram em cheio essas duas prioridades e criam dificuldades justamente para quem mais uma vez acreditou no governo. E, como a Lei Orçamentária em discussão tampouco prevê recursos suficientes para o programa de seguro em 2016, cabe perguntar se as prioridades são de fato prioritárias. O corte é anunciado quase em conjunto com a divulgação, pela Organização Meteorológica Mundial, ligada à ONU, de que o atual El Niño deve ser o mais forte dos últimos 15 anos. Tal fenômeno intensifica os eventos climáticos - chuvas e estiagens - e modifica o calendário das precipitações, e há bases objetivas para esperar problemas nas lavouras do Sul, Norte e Nordeste, com chuvas concentradas no Sul, irregulares no Sudeste e Centro-Oeste e seca no Norte e Nordeste. De fato, o El Niño já vem causando danos, atrasando o plantio da soja no Centro-Oeste e do arroz irrigado no Rio Grande do Sul, e as adversidades climáticas severas estão castigando as lavouras no Sul, com perdas na qualidade e elevados prejuízos na produção de trigo e frutas por causa do excesso de chuvas e da ocorrência de diversos granizos e geadas. O desenvolvimento da indústria do seguro precisa de planejamento, horizonte e orçamento robusto para mitigar o efeito de possíveis problemas climáticos que afetem a agricultura. Em momento de crise, não podemos nos dar ao luxo de brincar com o clima, que tem apresentado maior frequência de danos para a economia. A aposta é alta, e a conta recairá, como sempre, no colo dos agricultores e da sociedade em geral. Está mais do que na hora de alinhar ações e declarações. Entende-se que as metas possam ser modestas, mas que sejam ao menos consistentes e confiáveis. *Antônio M. Buainain e Pedro Loyola são, respectivamente, professor de Economia da Unicamp e economista da Federação de Agricultura do Paraná

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