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Um tranco nos juros

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Por Redação
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Depois de manter ao longo de nove meses os juros básicos (Selic) estáveis a 8,75% ao ano, ontem o Banco Central deu o tranco esperado. Puxou-os em 0,75%, para 9,50% ao ano.Com essa decisão, o Banco Central mostrou que rejeita a argumentação que vinha sendo apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a atual esticada da inflação tem como causa fatores episódicos, e naturalmente reversíveis, que dispensariam aperto na oferta de moeda.Para o Banco Central o atual surto inflacionário vem sendo causado por aumento persistente do consumo, ao ritmo insustentável de 10% ao ano, ou seja, substancialmente mais alto do que a capacidade de fornecimento de bens e serviços pelo setor produtivo interno mais as importações. O diagnóstico do Banco Central é o de que há uma inflação de demanda que é preciso reverter para que possa ser cumprida a meta de inflação de 4,5% ao ano, antes que a expectativa dos marcadores de preços se deteriore ainda mais.Até aí o Banco Central está certo. Provavelmente também está certo ao identificar como causa dessa forte expansão do consumo (embora não o enfatize) o aumento excessivo das despesas públicas, que correm a 17% neste ano.Se o diagnóstico é esse, o remédio mais adequado para atacar a doença cuja causa é fiscal, obviamente, teria, também, de ser fiscal; seria a compressão das despesas públicas de maneira a conter a criação de renda e o excesso de demanda que vem em seguida.Mas o governo só pensa naquilo, não quer reduzir a alegria do consumidor com o corte das despesas públicas às vésperas das eleições e, por isso, parece improvável que a administração federal se disponha a fazer o que lhe compete. Assim, o serviço impopular sobrou mais uma vez para o Banco Central.A inflação de 2010 já está dada, independentemente dos ajustes que o Banco Central começou a fazer. Só não se sabe de quanto vai ser. Como os juros levam de seis a nove meses para produzir efeito, não haverá mais tempo para mostrar serviço ainda este ano. A decisão de ontem teve por objetivo calibrar o fluxo de moeda de maneira a enquadrar a inflação de 2011. Isso significa que, do ponto de vista da política monetária, o horizonte do Banco Central já pertence à paisagem do próximo governo.Pelo menos dois objetivos políticos o Copom deve ter levado em conta. O primeiro, evocado várias vezes pelo presidente Lula, é evitar que às vésperas das eleições o eleitor fique com a sensação de que o atual governo descuidou do combate à inflação e, portanto, foi desleixado na preservação do principal patrimônio do trabalhador. Por isso, tem de mostrar eficácia ainda que o efeito dos juros só apareça no ano que vem.O segundo é a questão da dose. O gradualismo excessivo (alta de 0,50 ponto porcentual) exigiria um tratamento mais esticado, que poderia ser interpretado como tolerante demais. O Banco Central evitou, também, paulada maior, tipo Nicolau Maquiavel, para quem a maldade tem de ser feita de uma vez.De todo modo, ficou a impressão de que o Banco Central agiu tarde. Todos os dados levados em conta para a decisão de ontem já estavam aí em março, quando os juros ficaram parados.ConfiraCada dia com sua agonia O gráfico mostra o tombo das principais bolsas da Europa nos dois últimos dias. Não há sinal de virada.Baixa credibilidadeO gerente-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, declarou ontem que "não se pode acreditar demais nas agências de classificação de risco".E quem certifica? Sim, elas perderam credibilidade, mas não podem ser culpadas pelas lambanças fiscais dos países europeus. Afora isso, alguém tem de avaliar a qualidade dos títulos de dívida.

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