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Uma aula de cinismo e insensatez

Por Alberto Tamer
Atualização:

Os países mais desenvolvidos do mundo, reunidos no isolamento de uma ilha japonesa para analisar os grandes desafios mundiais, decidiram concordar em não discordar. O G-8, formado por Estados Unidos, Japão, França, Inglaterra, Itália, Alemanha e Canadá, mais a Rússia, e seu exército de assessores, ficaram discutindo durante três dias, mas ficaram nisso. Não há nada de efetivo, de prático, de ação imediata. Vale lembrar que o grupo representa 14% da população mundial, 63% do Produto Interno Bruto e 80% do comércio global. Não era de se esperar muito das reuniões, mesmo porque os temas ambientais, econômicos e sociais são complexos. Mas o que vimos nesse encontro foi algo simplesmente grotesco. Na verdade, uma aula magna de cinismo. ELES PASSARAM DO LIMITE Mas por quê? O que aconteceu? Ora, basta ler com atenção o comunicado final. E o que vemos lá? Os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia "pedem" de novo a suspensão das barreiras às exportações de alimentos, "recomendam" às instituições um "esquema abrangente de ação", "prometem", de novo, enfrentar o desafio da fome, que adiciona, por ano, mais de 100 milhões de subnutridos. RECOMENDAÇÕES A SI MESMOS... É isso, sim, leitor. Não há nenhum engano da coluna. Eles "pedem", "recomendam", "sugerem". Mas a quem? Ora, a eles mesmos! Sim, são eles que têm de agir numa frente única contra a inflação, têm de parar de fazer reuniões solenes apenas para sugerirem a si mesmos que façam o que até agora se recusam a fazer. Ou seja, diante da explosão dos preços dos alimentos é acabar com os subsídios à produção interna, que distorcem os preços, e com as barreiras que impedem a livre circulação dos produtos agrícolas. São eles, sim, eles, os sete (deixamos aqui de lado a Rússia, que não faz parte desse grupo seleto) que respondem por mais da metade do comércio mundial. Parem de dificultar e até impedir que a produção agrícola dos demais países mundo entre em seus mercados; que cumpram o que prometeram na Organização Mundial do Comércio - liberalizar o comércio agrícola. Façam isso em vez de palavrear e verão que vão diminuir as tensões que afetam os preços no mercado mundial de alimentos. Aí está a União Européia, mais fechada e protecionista do que nunca, aí estão os Estados Unidos, impondo taxas absurdas à entrada de alimentos de países emergentes e em desenvolvimento, entre eles, o Brasil, ajudando a conter os preços e a derrubar a inflação; com mais liberdade comercial, eles criarão estímulo à produção e ao consumo a preços menores. MAIS ?RECOMENDAÇÕES?... Sim, eles continuam pregando uma ação que se recusam a fazer, simplesmente porque fere interesses próprios, seus agricultores. Eles plantam caro, colhem caro e, mesmo assim, têm lucros generosos; são sustentados por subsídios a preços internos e, acreditem, à exportação. Na verdade, eles plantam grãos e colhem subsídios... Mas isso não é bom? Não estimula a produção européia e americana? Só em parte. Seus consumidores estão pagando um preço mais alto pelos produtos internos quando poderiam estar comprando alimentos e produtos do agronegócio de outros países com preço menor. INFLAÇÃO, FOME, AMBIENTE... Todos esses temas cruciais saíram como entraram, sem solução. Sei, sei que não se esperavam soluções mágicas, mesmo porque não há; mas, pelo menos, uma firme e explícita decisão comum de agir imediatamente sobre os fatores que estão afetando seriamente a economia mundial e jogando centenas de milhares de pessoas na fome e na miséria. Nada, nada de nada. Petróleo? Ora, eles fingem que não entendem o que está acontecendo, quando todo mundo sabe à exaustão. Há demanda acima da oferta, há o desvalorizado dólar com o qual ele é comercializado, há os investimentos financeiros em fundos de commodities, há as tensões no Oriente Médio. Todos sabem disso, não é preciso encomendar mais estudo nenhum. Chega de papelada analisando o óbvio ululante expresso agora em complexas fórmulas matemáticas de metro e meio, variando a folha... E ESSE ETANOL ?CRIMINOSO?? Por que, ao mesmo tempo em que se queixam do preço, criam obstáculos ao etanol de cana, que pode reduzir o consumo de petróleo? Meio ambiente? Desculpem, leitores, mas não agüento: que vão às favas! O etanol de cana despolui, é limpo, substitui parte do petróleo, do carvão, do óleo combustível, todos altamente poluentes. Ah! Vai tirar terras do plantio de grãos e outros alimentos, acusam! Mentira, mentira deslavada dos países que temem a competição da produção agrícola do Brasil, um dos maiores exportadores mundiais. E, mais ainda, com potencial quase ilimitado para crescer. Tomem nota: com 71 milhões de hectares de terras disponíveis para plantio, o Brasil pode alimentar o mundo, fazer estoques estratégicos e ainda produzir etanol, muito etanol para quem quiser. É o que diz a ONU, é o que diz o Banco Mundial, é o que dizem os que não estão enquadrados no poderoso lobby agrícola do mundo rico. Mas, não. Nada disso no Japão. Nessa reunião inútil, ninguém acusou os EUA de estarem pressionando o preço dos alimentos com seu etanol de milho, absurdamente caro. Nem uma palavra. E, se houve, não vazou para a imprensa, ficou fechada no círculo dos "sete amigos". No máximo, em meio a bocejos disfarçados, fizeram a concessão de ouvir os outros países, numa reunião apressada, já com as conclusões previamente aprovadas. LULA FALOU COM BUSH...E DAÍ? Ah! Ia esquecendo, o Bush até recebeu Lula, que foi falar sobre o acordo de Doha entre outras inutilidades. Sim, aquele mesmo que morreu e não contaram a ninguém. Ora, presidente, o Bush pode prometer o que quiser, pode repetir tudo o que disse aqui, na sua visita do ano passado, ao Brasil, que não vai adiantar nada. E por três motivos: 1- ele não manda mais nada, nesse tristíssimo fim de mandato; 2- a eleição presidencial está aí e Bush não vai prejudicar o já frágil candidato republicano na busca de votos dos agricultores; 3- mesmo que ele assine o tal acordo de Doha, embalsamado, precisa do aval do Congresso, mais do que nunca hostil a qualquer medida que libere o comércio agrícola e afete seus produtores; eles só podem competir com Brasil, Austrália, Índia, entre outros, com a bengala de ouro dos subsídios bilionários. E POR QUE ISSO? Ora, porque eles, o G-7 - que, na verdade são mais que os sete países mais desenvolvidos, já que Alemanha, Inglaterra e França representam o pensamento da União Européia -, acham que a situação mundial não é tão seria assim. Para eles, é lógico. Têm economias avançadas e maduras. Eles estão até felizes porque agora contam com o mercado e o crescimento dos emergentes - Brasil, China, Índia, Rússia - para ajudá-los a não cair mais. E o resto, aqueles que têm menos e sofrem mais? Ora, para esses, que tal mais uma reunião lá pelo fim do ano, mas numa ilha de clima quente por causa do inverno? Não é uma boa? *E-mail: at@attglobal.net

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