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Uma década do Plano Real, na análise de FHC

Por Agencia Estado
Atualização:

Nesta quinta-feira, completam-se dez anos da entrada em vigor do Plano Real, que pôs fim a décadas de um crônico e devastador processo inflacionário no País. Sem ele, no ritmo em que estava a inflação, o Brasil teria experimentado, em apenas três meses, todo o percentual ocorrido nos últimos dez anos. No programa Espaço Aberto, da Globo News, em entrevista ao vivo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, responsável, ainda como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, à frente de uma equipe que reunia os economistas Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha, entre outros, fez um balanço dos resultados do Plano Real. Faltou crescimento econômico? "Uma coisa é o Plano Real stritu sensu, que é a estabilização da moeda; outra coisa são as políticas econômicas que se implementam depois ma moeda estabilizada, ou mais ou menos estabilizada, nunca existe uma moeda totalmente estabilizada. Então, a questão do crescimento (econômico) depende dessas políticas. O crescimento significa, de uma maneira mais simples, em investimento. (...) A estabilização é condição básica para atrair investimentos, mas não é suficiente. Você precisa, além disso, regras (legais), uma certa previsibilidade institucionalizada, criar portanto organizações que se ocupem do cidadão; que a Justiça seja mais rápida, as agências reguladoras para garantir que o investimento se mantenha. Tudo isso leva tempo para construir. Eu acho que o Brasil está construindo, pouco a pouco, a solução de um crescimento estável. Nos meus oito anos de Plano Real houve um crescimento acumulado de 25%; é pequeno em termos, mas não houve nenhum período de recessão. É baixo em relação às taxas dos anos 70, quando crescíamos em média 6%, 7%, mas o povo não. O salário não acompanhava, a mortalidade infantil aumentava... Por que? Porque a inflação comia. Então, tem que se verificar o que significou este crescimento. Com o Real não dá para fazer isso. As demandas se organizam mais, o governo tem que dar atenção à saúde, à Previdência Social... Há muita pressão mais organizada." Os problemas "A estabilização da moeda foi um fator favorável à atração de investimentos. Outros fatores atrapalharam. Quais? As reformas, que andam muito devagar, não só agora; continuam devagar. Eu dei um impulso forte no início, na Previdência, na tributária. (...) Primeiro, nós enfrentamos logo de cara uma crise, não digo a externa não, que também enfrentamos, mas privada (a questão de bancos privados). Segundo, você tinha a desordem financeira nos Estados e municípios. Fizemos em 94 um acordo de negociação da dívida dos Estados, eles não cumpriram; tivemos de fazer de novo em 96 ou 97, não tenho certeza. Então, a situação fiscal já era muito ruim, nós tínhamos que ir acertando. Não adianta você dizer ´eu vou apertar as torneiras do gasto´. Não, tem que resolver questões estruturais. Agora é diferente, porque essas questões já estão resolvidas. (...) O Estado brasileiro estava muito desorganizado. Os Estados, por exemplo, não pagavam a Caixa Econômica, que na verdade tinha um patrimônio negativo. O Banco do Brasil tinha o problema da dívida agrária, que era de 22 bilhões de dólares, mais ou menos. Isso tudo é um processo de ajuste, não é simplesmente apertar no orçamento. Então, quando as pessoas dizem, com razão, que não houve um ajuste no primeiro mandato, e no segundo sim, é porque no primeiro mandato nós ainda não tínhamos condições para permitir organizar o País. Não dá para fazer tudo de uma vez, é um processo." A questão do câmbio "Qual era a situação naquele momento (ainda no primeiro mandato, quando teve início a discussão sobre a necessidade de desvalorizar o real)? Primeiro, você tem que manter uma equipe. As equipes nem sempre estão de acordo com tudo, então é difícil saber qual é a solução. Em segundo lugar, qual era o receio? A economia era indexada, demora a dexindexação. O que se queria era a volta da inflação? Na verdade, pelo que me lembre, e eu não me lembro de tudo, houve vários momentos e hipóteses (sobre o câmbio). Lá atrás, quem tinha mais idéia (sobre a desvalorização) era o Pérsio Arida, mas nunca chegou a formular isso especificamente. A discussão que nós tivemos em fevereiro de 95, para implementação em março, era uma banda muito larga, que mais tarde permitisse a flutuação. E qual era a discussão? Se a situação fiscal fosse mais estabilizada nós tínhamos condições de segurar a pressão inflacionária sem o câmbio. Não sendo assim, é mais prudente com o câmbio. Na verdade, eu estava convencido de que precisaria acelerar o processo de mudança no câmbio, não só (defendido) pelo Beto Mendonça (José Roberto Mendonça de Barros), e de outros. O Beto teve uma virtude: ele foi o primeiro a alertar que viria alguma coisa da Ásia. (...) Eu (em 94), o Serra e o Pérsio, no meu apartamento aqui em São Paulo, na Rua Maranhão, tínhamos decidido pedir ao presidente Itamar que ele fizesse um acerto no câmbio. Aí veio a crise do México. Até o carnaval de 95, em fevereiro, só se discutia isso, e depois do carnaval também. Você toma uma decisão com pessoas.(e não havia uma posição comum na equipe)." Além do Plano Real "Você precisa ir além do Plano Real. Não adianta mais discutir câmbio, juros, câmbio, juros... Já se sabe, já esgotou essa matéria. Tem de discutir outras coisas. Por exemplo, formas inovadoras de criação de empregos. Por exemplo, ativar mais a sociedade civil, não deixar tudo na mão do Estado, porque o Estado não tem recursos para avançar além de certo limite. Para ter mais investimento você precisa de ter mais capacidade de regular por um longo tempo as decisões, regras da lei. Não pode estar mexendo toda hora nas chamadas agências reguladoras; (é preciso) mexer no Judiciário, para dar mais rapidez, mais acesso às pessoas. Isso é que vai permitir crescimento e incrementar o enmprego." "País do futuro" "Eu acho muito importante sonhar, ter essa idéia - o famoso livro do Stephan Zweig, Brasil, País do futuro... Maravilha! Quando a gente acredita que tem futuro, está ótimo. Pior é quando perde a esperança no futuro. O risco do Brasil é perder a esperança do futuro, esse é que é o perigo. E, para não perder, é preciso olhar para trás também. O Brasil mudou muito. Vou dar um exemplo: eu nasci, infelizmente em 31. Quando eu nasci, você tinha uma estrada pavimentada no Brasil, que liga o Rio a Juiz de Fora, desde o tempo do Imperador. Vim para São Paulo em 40, tinha a Via Anchieta. Hoje, tem, esburacadas ou não, você tem 60, 70 mil quilômetros pavimentados, só do governo federal. Você tinha, nos anos 70, 40% de analfabetos. Hoje, tem 11%, 12%. Você não tinha saúde para o povo. Falam muito do salário mínimo. Sabe como era no tempo do Getúlio, quando ele criou o salário mínimo? Era só no Rio, e só para uma categoria profissional. O salário mínimo ficou nacional em 1970. Vou dar um outro exemplo: as universidades do Rio e de São Paulo foram criadas em 1932 e 1934; foi ontem. Quando eu era aluno, as classes eram pequenas. Os professores todos davam aula em francês. Isso é uma coisa absurda, você tinha que aprender francês em casa. Hoje, temos milhões de estudantes em universidades. Então, tem que ter confiança. Eu vi a Espanha no Terceiro Mundo, e Portugal também, em 1960. A Espanha levou 40 anos, mas chegou lá. Gonzales foi um grande estruturador, depois veio o Aznar, que levou adiante. A Espanha não andou ziquezagueando. Tomou decisões difíceis, entrou na União Européia, como Portugal também. O Brasil tem futuro desde que se mantenha o caminho, não fique imaginando soluções milagrosas. Leva tempo e tem que ter persistência e competência. Sem isso, aí vai para trás."

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