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Uma frota nova. Encalhada no pátio

Há três meses, transportadoras se davam ao luxo de escolher clientes; hoje, há ociosidade e planos são revistos

Por Renée Pereira
Atualização:

A súbita reviravolta da economia mundial pegou o setor de transportes no contrapé. Há pouco mais de três meses, as transportadoras rodoviárias faziam fila na porta das montadoras para aumentar sua frota e atender o mercado. A demanda era tão forte que algumas empresas de transporte chegavam a recusar clientes e escolher as cargas mais rentáveis. A crise mudou completamente esse quadro. Hoje, parte da capacidade instalada está ociosa, os planos de investimentos estão sendo revistos e já há pressão para reduzir o preço do frete. "A queda na demanda foi muito rápida", diz Djalma Miranda, diretor de planejamento da Transportadora Binotto, a quarta maior do País. Segundo ele, que atende setores como alumínio e papel e celulose, há poucos meses os clientes pressionavam para aumentar a frota de caminhões por causa do aquecimento da economia interna e das exportações e as montadoras demoravam quase nove meses para entregar. Agora esses mesmos clientes pedem para reduzir o número de veículos à disposição. O problema, diz o executivo, é que esses caminhões são especializados e, muitas vezes, não podem ser aproveitados em outros setores. É o caso dos veículos que carregam madeira para a produção de papel e celulose. "Um dos clientes, que dispõe de 23 de nossos caminhões está pedindo para retirarmos oito deles. Outro pede para retirarmos quatro dos 15. Onde vou colocar todos esses veículos?", questiona Miranda, destacando que são veículos novos. A mudança do cenário pegou as transportadoras num momento de forte investimento na renovação da frota. Movimento que resultou em filas de até nove meses para receber um caminhão até meados do ano. Hoje os prazos já voltaram ao normal, garante a Scania, uma das fabricantes de veículos do País. Outro sinal de que os pedidos cessaram é o número de emplacamento de caminhões. Segundo o diretor-presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), Paulo Fleury, professor do Coppead/UFRJ, em novembro o volume de emplacamento caiu 9,62% comparado a outubro e 1,5% em outubro comparado a setembro. "Devemos lembrar que nesses meses, muitas empresas estavam recebendo veículos encomendados no passado." O Grupo Julio Simões, líder no transporte rodoviário, acaba de finalizar a renovação de sua frota iniciada em 2007. Nesse meio tempo foram adquiridos 500 caminhões em 2007 e 240, em 2008, somando cerca de 1.600 veículos. "Agora estamos nos adequando à nova realidade. Vamos fazer ajustes", afirma o vice-presidente da empresa, Fernando Simões. Nesse caso, será possível redirecionar alguns caminhões para setores onde a demanda está positiva. A frota que atende à indústria automobilística deverá ser transferida para setores como o sucroalcooleiro, onde a perspectiva de safra é boa. De qualquer forma, o grupo que vinha apresentando crescimento anual de 44% nos últimos três anos, já percebe alguns sinais de ociosidade na operação. Mesma situação foi verificada pela Tegma, onde o setor automobilístico responde por 82% do volume de transporte da empresa. "Precisamos ter tranqüilidade para fazer os ajustes necessários", afirma Gennaro Odonne, presidente da companhia, que fez lançamento de ações na bolsa em 2007. No ano, os papéis da Tegma caíram 78%. O diretor da Transportadora Americana, Celso Luchiari, verificou em novembro redução de 5% no faturamento e volume transportado. "A expectativa é que dezembro seja pior e janeiro deve descer ladeira abaixo." Entre os autônomos, a queda na demanda já recuou 40%, afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abicam), José da Fonseca. NAVIOS Como no rodoviário, o transporte marítimo também sente os efeitos da crise. Nos últimos anos, com a expansão do comércio mundial, os armadores encomendaram uma leva de navios de nova geração, com capacidade para transportar milhares de toneladas e que custam milhões de dólares. Mas, com a redução do comércio exterior, especialistas afirmam que os navios já estão parados. Um exemplo disso é que o Baltic Dry Index (BDI), um indicador composto pelo preço do transporte de vários produtos, como minério e grãos, despencou de 11.793, em maio, para 891, em novembro, diz Fleury. No Brasil, as tarifas cobradas pelos grandes armadores sofreram cortes entre 10% e 85%. Há alguns meses, a demanda por embarcações era tão grande que produtores de minério de ferro, como a Vale, optaram por construir seus próprios navios. Na ocasião, a Vale afirmou que o custo do transporte por tonelada já era igual ao preço de venda da tonelada de seu produto.

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