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Uma lei muito flexível

Por Ribamar Oliveira e email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
Atualização:

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, na semana passada, que não é necessário mudar o superávit primário do setor público brasileiro este ano porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que fixou a economia fiscal em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), ''é flexível''. Ele estava se referindo ao fato conhecido de que a LDO autoriza o governo a descontar do superávit todos os gastos com o Programa Piloto de Investimentos (PPI). Mas um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao texto da LDO, em agosto de 2008, tornou esta lei ainda mais flexível. Até o ano passado, o governo podia incluir novos projetos na lista do PPI, por meio de uma simples portaria do secretário de Orçamento Federal. Mas havia uma exigência. Os projetos teriam que fazer parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na LDO válida para 2009, essa exigência foi retirada pelo veto do presidente e, atualmente, qualquer projeto de investimento que esteja no Orçamento da União pode ser incluído no PPI e o seu gasto utilizado para abater o superávit primário. A forte queda da arrecadação este ano e a colossal expansão das despesas obrigatórias (decorrente do reajuste de 12% para o salário mínimo e do aumento generalizado para os servidores, concedido no ano passado) forçarão o governo a reduzir o montante do superávit, se quiser manter os investimentos. A alternativa seria elevar os impostos, o que a sociedade não aceitará. Assim, a maior flexibilização da LDO, feita pelo veto, poderá ajudar o governo a fechar as suas contas. Não é difícil entender porque isso acontecerá. Desde que o PPI foi criado, ainda no primeiro mandato do presidente Lula, o governo nunca conseguiu gastar os recursos definidos na LDO para o PPI. Por uma série de razões, entre elas a baixa eficiência da máquina pública na área de investimento. No ano passado a LDO permitiu que o governo gastasse com as obras do PPI até R$ 13,8 bilhões - montante a ser deduzido do superávit primário. O governo gastou somente R$ 2,8 bilhões (o total ficou em R$ 7,8 bilhões, quando se inclui os restos a pagar de anos anteriores, mas esta é uma questão que será abordada mais abaixo). Portanto, R$ 11 bilhões que estavam no Orçamento de 2008 não foram utilizados (R$ 13,8 bilhões menos R$ 2,8 bilhões). Até agora, ninguém dentro e fora do governo deu importância a este detalhe, pois nunca foi intenção da área econômica realmente descontar o gasto do PPI do superávit primário, embora houvesse permissão da lei. A dedução nunca ocorreu porque o aumento explosivo das receitas do Tesouro nos últimos anos permitiu uma elevação sem precedente dos gastos correntes e, ao mesmo tempo, a manutenção de um elevado superávit primário. Para 2009, a LDO destina R$ 15,6 bilhões ao PPI. É óbvio que, pelas razões de sempre, nem a metade desse valor será efetivamente gasta. Como este ano a receita do Tesouro vai encolher fortemente e o governo precisará utilizar o PPI para reduzir o superávit primário e fechar suas contas, essa questão passou a ser relevante. Nas atuais circunstâncias, parece não restar dúvida de que o governo utilizará toda a margem permitida pela LDO para reduzir o superávit primário. Nada mais provável, portanto, que o governo inclua novos investimentos na lista do PPI, de tal forma a utilizar toda a margem da lei. Numa primeira análise, chega-se à conclusão de que o governo poderá reduzir o superávit primário, por conta do PPI, em até 0,5% do PIB. Uma leitura mais acurada da LDO, no entanto, mostra que esse porcentual poderá ser bem maior. A LDO não fala em porcentual. Ela diz que os R$ 15,6 bilhões do PPI podem ser descontados. Esse valor corresponderia a 0,5% do PIB se a economia brasileira crescesse 3,5% este ano, o que, pelo que se percebe do atual cenário, não deverá ocorrer. Se a economia não crescer nada este ano ou encolher, os R$ 15,6 bilhões poderão corresponder a 0,6% do PIB. Além disso, a LDO diz que todos os restos a pagar dos investimentos do PPI de anos anteriores também poderão ser utilizados para reduzir o superávit primário. Para este ano, existem R$ 9,1 bilhões de restos a pagar do PPI referentes apenas a 2008. Com os restos a pagar de 2006 e 2007, é provável que o valor total supere R$ 10 bilhões. Mas considerando que o valor dos restos a pagar do ano passado seja efetivamente pago, a redução do superávit primário pode alcançar R$ 24,7 bilhões (R$ 15,6 bilhões mais R$ 9,1 bilhões), ou seja, o equivalente a 0,8% do PIB. Portanto, teoricamente, o superávit primário deste ano poderá ser diminuído de 3,8% do PIB para, pelo menos, 3% do PIB sem que a LDO precise ser modificada. Ou seja, sem que a meta formal de superávit de 3,8% precise ser reduzida. Essa flexibilidade da LDO, que permite descontar os gastos do PPI do superávit primário, resolve o problema apenas da União. Os Estados e municípios não poderão utilizar a mesma estratégia. Apesar de sofrer a mesma queda de receita que a União, os Estados e municípios não terão direito a reduzir o superávit primário. Isso pode dar origem, dependendo do nível de desaceleração da economia e da queda da receita, a um debate federativo dentro do Congresso Nacional, com governadores e prefeitos pedindo compensações.

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