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Uma regulação para as gigantes da internet

Os dados viraram o ‘petróleo da era digital’ e isso requer uma nova abordagem por parte das autoridades antitruste

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Por Redação
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Novas commodities dão origem a atividades lucrativas e de crescimento acelerado, levando as autoridades antitruste a intervir para coibir os que controlam seu fluxo. Há cem anos, o recurso em questão era o petróleo. Agora surgem preocupações semelhantes em relação aos colossos corporativos que lidam com dados, esse petróleo da era digital. Nada parece ser capaz de deter as gigantes do setor – Alphabet (holding que controla o Google), Amazon, Apple, Facebook e Microsoft. Em valor de mercado, são as cinco maiores empresas de capital aberto do mundo. Seus lucros estão nas nuvens: juntas, embolsaram mais de US$ 25 bilhões em lucros líquidos no primeiro trimestre de 2017. A Amazon abocanha US$ 0,50 de cada US$ 1 que os americanos gastam em compras online. No ano passado, praticamente todo o aumento da receita de publicidade digital nos EUA ficou com Google e Facebook.

O fundador daAmazon, Jeffrey P. Bezos Foto: EFE/MICHAEL NELSON

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Tal domínio levou alguns a propor que as gigantes de tecnologia sejam divididas em companhias menores, como se fez com a petrolífera Standard Oil no início do século 20. No passado, The Economist se posicionou contrariamente a medidas drásticas desse tipo. Tamanho, por si só, não é crime. O sucesso dos colossos da internet tem trazido benefícios para os consumidores. Pouca gente gostaria de viver sem o mecanismo de buscas do Google, sem as entregas em um dia útil da Amazon ou sem o “feed de notícias” do Facebook. Essas empresas tampouco parecem problemáticas quando avaliadas segundo os critérios tradicionalmente adotados pelas autoridades antitruste. Longe de explorar os consumidores com preços abusivos, muitos de seus serviços são gratuitos (os usuários pagam por eles oferecendo acesso a ainda mais dados). Suas fatias de mercado, quando as concorrentes offline são incluídas no cálculo, não parecem tão alarmantes. E o surgimento de estrelas ascendentes, como o Snapchat, indica que o mercado não está fechado para novos concorrentes.

Apesar disso, há motivo para preocupação. O controle que as empresas de internet têm sobre os dados digitais lhes confere um poder imenso. O tipo de análise com que, na era do petróleo, determinava-se o grau de competição em dado setor de atividade não parece dar conta dessa que se convencionou chamar de “economia dos dados”. Faz-se necessária uma nova abordagem.

A quantidade tem uma qualidade toda própria. O que mudou? Os smartphones e a internet tornaram os dados abundantes, onipresentes e muito mais valiosos. Hoje, quando a pessoa sai para correr, liga a TV ou simplesmente se vê parada no trânsito, todas as suas atividades deixam rastros digitais, isto é, mais matéria-prima para as refinarias de dados. Com um sem-fim de dispositivos, de relógios a automóveis, conectados à internet, esse volume só faz crescer: pelos cálculos de alguns analistas, cada carro autônomo gerará 100 gigabytes de dados por segundo. Por sua vez, certas técnicas de inteligência artificial, como o aprendizado de máquina, extraem ainda mais valor dos dados. Com o auxílio de algoritmos, pode-se prever em que momento determinado consumidor está pronto para realizar uma compra, quando a turbina de um avião precisa ser encaminhada à manutenção ou quando uma pessoa corre o risco de adoecer. Gigantes industriais, como GE e Siemens, hoje se apresentam como empresas de dados.

A natureza da competição é modificada pela abundância de dados. As gigantes de tecnologia sempre tiraram proveito dos “efeitos de rede”: quanto mais usuários o Facebook tem, mais atraente a rede social se torna para outras pessoas. No caso dos dados, há efeitos de rede adicionais. A coleta de um volume cada vez maior de dados deixa determinada empresa em melhores condições de aperfeiçoar seus produtos, coisa que, por sua vez, atrai mais usuários, gerando ainda mais dados, e assim por diante. Graças ao volume crescente de dados que coleta com seus carros autônomos, a Tesla aprimora cada vez mais seu sistema de autocondução — coisa que explica, em parte, o fato de a montadora, que vendeu apenas 25 mil veículos no primeiro trimestre deste ano, valer mais que a GM, que comercializou 2,3 milhões. Assim, grandes repositórios de dados funcionam como barreiras de proteção contra o surgimento de novos concorrentes.

O acesso aos dados também protege as empresas de outra maneira. No setor de tecnologia, a concorrência era garantida, até pouco tempo atrás, pela possibilidade de que startups de fundo de quintal deixassem na poeira empresas estabelecidas e de grande porte, ou de que estas fossem atingidas por inesperadas mudanças tecnológicas. Na era dos dados, é menor a probabilidade de que isso aconteça. Os titãs da internet estão a par do que se passa em todos os cantos da economia: o Google vê o que as pessoas procuram; o Facebook, o que elas compartilham; a Amazon, o que elas compram. Suas lojas de aplicativos e sistemas operacionais, assim como o poder computacional que alugam para startups, proporciona a essas empresas uma visão abrangente, quando não absoluta, das atividades desenvolvidas em seus mercados e em inúmeros outros setores da economia. Alertadas sempre que um novo produto ou serviço começa a fazer sucesso, podem copiá-lo ou simplesmente comprar a startup que o criou, antes que ela se torne uma ameaça.

Muitos avaliam que os US$ 22 bilhões que o Facebook pagou pelo WhatsApp, aplicativo de mensagens operado por menos de 60 funcionários, só se justificam quando o negócio é visto por esse lado. Atuando como barreira de acesso e alerta para o surgimento de novos rivais, os dados têm o potencial de restringir a competição.

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E agora, caçadores de monopólios? A natureza dos dados digitais torna menos eficazes os remédios antitruste do passado. A divisão de uma companhia como o Google em cinco Googlezinhos não impediria que os efeitos de rede continuassem a produzir concentração: com o passar do tempo, uma das novas empresas voltaria a se tornar dominante. O problema tem de ser enfrentado com um novo paradigma. Por ora, duas ideias se destacam nesse esforço.

A primeira é que as autoridades antitruste precisam deixar a era industrial para trás e ingressar definitivamente no século 21. Ao avaliar uma fusão, por exemplo, o tamanho das empresas envolvidas no negócio costumava ser o fator que determinava sua intervenção. Agora, para se determinar o impacto de um negócio é preciso levar em consideração a extensão dos ativos de dados controlados pelas empresas que pretendem se fundir. O preço de aquisição pode servir como indício de que uma empresa estabelecida está abocanhando uma ameaça nascente. Se esses critérios estivessem em vigor, o fato de o Facebook ter se disposto a pagar valor tão elevado pelo WhatsApp, que nem receitas gerava, teria acionado o alerta vermelho. Os caçadores de monopólios também precisam sofisticar a utilização de dados ao analisar a dinâmica de mercado, passando a realizar, por exemplo, simulações para identificar algoritmos que contribuem para a prática de preços abusivos, ou para encontrar a melhor forma de estimular a concorrência.

A segunda ideia é retirar parte do controle que os provedores de serviços online têm sobre os dados que coletam e transferi-lo para os usuários que os fornecem. Aumentar a transparência ajudaria: as empresas poderiam ser obrigadas a revelar aos consumidores as informações de que dispõem a seu respeito e o valor das receitas obtêm com elas. O surgimento de novos serviços seria incentivado se os governos ampliassem o acesso a seus bancos de dados ou passassem a gerir como infraestrutura pública certos segmentos fundamentais da economia dos dados, como faz a Índia com o Aadhaar, seu sistema de identidade digital. As autoridades também poderiam tornar obrigatório o compartilhamento, com o consentimento do usuário, de certos tipos de dados. É o que a Europa está fazendo com suas instituições bancárias.

Não será fácil reformular os paradigmas das autoridades antitruste e adequá-los à era da informação. Isso implicará novos riscos: ampliar o compartilhamento de dados pode ameaçar a privacidade, por exemplo. Mas, se não quiserem que a economia dos dados seja dominada por alguns poucos titãs, as autoridades governamentais precisam entrar rapidamente em ação.© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM