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Uma relação delicada

Foto do author Celso Ming
Por Celso Ming e celso.ming@grupoestado.com.br
Atualização:

Quando, em dezembro de 2002, anunciou o novo presidente do Banco Central (BC), o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva o chamou de "companheiro Henrique Meirelles", tratamento que os sindicalistas se dão uns aos outros. Alguém pensou que foi apenas compensação carinhosa dispensada por Lula ao ex-presidente do grupo Fleet Boston, que entrava no primeiro governo eleito por um partido até então hostil a conglomerados financeiros. Companheiro é aquele com o qual se reparte o pão. E, de lá para cá, houve de tudo. Lula e Meirelles repartiram tanta coisa, repartiram até o pão que o diabo amassou. Depois de intermináveis críticas do PT e do próprio Lula à política econômica do governo anterior; depois de tantas propostas dos militantes de passar calote na dívida; e depois de tantos "fora FMI", coube a Meirelles conquistar a confiança das forças econômicas internas e dar respeitabilidade internacional ao governo Lula. Essa tarefa foi cumprida com êxito, apesar de todos os ataques de dentro e de fora do governo à política de juros e à administração do câmbio. Meirelles conseguiu gerenciar as expectativas dos formadores de preço e manteve a autonomia do BC no desempenho da política monetária. Ele agora já é o mais longevo presidente do BC. Contribuiu decisivamente para que a economia brasileira se tornasse previsível. Depois de tantos anos de crise da dívida, o Brasil se tornou credor líquido do resto do mundo, as reservas são hoje de US$ 214 bilhões e a inflação continua mergulhando. O presidente Lula já reconheceu, e seria capaz de reconhecer quantas vezes fosse necessário, que a dura política monetária executada de 2003 a 2007 garantiu sua reeleição. E este é um dos principais fatores pelos quais Lula vai chegando ao fim do seu mandato com uma consagrada aprovação popular. É natural que Meirelles queira tirar proveito eleitoral de sua decisiva participação na conquista da estabilização e se movimente agora em direção à sua candidatura a governador de Goiás. Não esconde nem sua vocação política nem o desejo de contribuir para a melhora das condições de vida de seus conterrâneos. Mas a simples manifestação de encaminhamento da candidatura mexe com porcelana delicada. O problema não está em que, à frente do BC, Meirelles entre num partido político. Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) no período de 1979 a 1987, sempre foi filiado ao Partido Democrata. Greenspan e Bernanke são republicanos. Os três pilotaram o Fed durante governos de sigla oposta, mas nunca foram simultaneamente candidatos a um cargo político. O problema está em que o presidente do BC seja pré-candidato a um cargo político. Durante todos estes anos, Meirelles foi um campeão da luta pela autonomia do BC. Em relação a quem o Banco Central tem de ser autônomo? Ora, em relação aos políticos. Na medida em que Meirelles mistura as duas coisas, tende a trazer prejuízo para a administração das expectativas. Ninguém está dizendo que, na condução da política monetária, o companheiro e pré-candidato Meirelles acabará contaminando o desempenho autônomo do BC. Como aconteceu com a mulher de César, tão somente poderá parecer que isso aconteça. E isso é quase tudo. Confira Sem estagflação - Houve um momento em que os analistas advertiram que esta crise poderia, outra vez, juntar recessão com inflação. Seria a tal estagflação da economia. No entanto, diferentemente de algumas crises do passado, desta vez, não há inflação. Ao contrário, apesar da forte expansão monetária, o resultado imediato é a queda de preços. E ontem a evolução do Índice de Preços ao Produtor (PPI, na sigla em inglês) nos Estados Unidos mostrou que os preços no atacado continuam em queda. É mais uma indicação de que os juros continuarão no chão por muito tempo.

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