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Cientista político e economista

Opinião|Uma temporada de milagres

O eleitorado americano aos poucos vem compreendendo seu erro

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Atualização:

Só na próxima semana saberemos se o presidente Trump encerra o ano com o seu primeiro sucesso legislativo: uma complexa redução de impostos – “a maior de todos os tempos, levando a um surpreendente crescimento no futuro”, como ele diria. O Senado ainda está negociando, uma vez que brindes especiais seriam dados a possíveis dissidentes. Pela primeira vez em muitos, muitos anos, os republicanos devem agora contar com grandes déficits para satisfazer sua base.

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Há uma razão para essa pressa. Em janeiro, um assento republicano – no Estado do Alabama, onde Trump venceu com 35 pontos porcentuais de vantagem sobre Hillary Clinton – passou para um democrata pela primeira vez em 25 anos. No próximo ano, a maioria republicana no Senado cai para dois.

O que esse projeto de lei fiscal faz é punir os Estados democratas, como Nova York e Califórnia, ao limitar as deduções para os impostos estaduais, usando essa margem para conceder pequenos subsídios a pessoas da classe média baixa. Muitos desses ganhos desapareceriam totalmente em 2025, para reduzir o déficit ao nível obrigatório.

Mas, pior que isso, os cálculos da maioria dos economistas, incluindo o independente Escritório de Orçamento do Congresso, mostram que esse déficit não desaparecerá, como afirmam os republicanos. E, além disso, no fim, os principais beneficiários serão os mais ricos, e não os mais pobres. Só para garantir, a faixa mais elevada de impostos foi reduzida um pouco. Afinal, o Papai Noel prefere descer por chaminés grandes e limpas.

Ao mesmo tempo, as notícias nos EUA no último mês têm cada vez mais se referido a assédio sexual da parte de poderosos: senadores, congressistas, artistas, jornalistas de rádio e TV, etc. Grandes somas de dinheiro contribuíram para comprar o silêncio, mas foi em vão. Renúncias ocorreram, em todos os lados políticos e todas as tendências sexuais. Esse foi visivelmente um fator decisivo no resultado das eleições no Alabama. O número de casos continuará. As reivindicações de um tratamento realmente igual agora representam uma exigência que de forma decisiva estilhaça o antigo “teto de vidro”.

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Para Trump, esse fator representa um problema potencialmente grave. Oficialmente, seu secretário de imprensa afirmou que sua eleição – com abundantes alegações de má conduta sexual – resolveu o assunto: o eleitorado decidiu a seu favor. (A comissão nomeada por ele ainda está em busca dos 3 milhões de votos, que teriam sido ilegalmente atribuídos a Clinton, para que ele obtenha uma desnecessária maioria.) Três mulheres já se apresentaram publicamente, e em breve poderá haver mais.

Além disso, a investigação sobre a influência russa na eleição de 2016 segue adiante. O segundo conselheiro especial, Robert Mueller, avança. O ex-consultor de segurança nacional, Michael Flynn, declarou-se culpado de evasão de impostos, com sugestões de que agora está cooperando com o inquérito (delação premiada). Já houve reivindicações dos republicanos no Comitê Judiciário da Câmara de que essa investigação é tendenciosa e deve ser encerrada imediatamente. Mais uma vez, Trump continua a acreditar em Putin em vez de crer em sua própria comunidade de inteligência.

Finalmente, em grande parte para satisfazer o núcleo de adeptos de extrema direita, Trump tornou-se o primeiro presidente a declarar formalmente que Jerusalém é a capital de Israel. O primeiro-ministro Netanyahu ficou encantado. Nações árabes e os palestinos ficaram horrorizados. Incursões militares já aconteceram. O acordo de paz que Trump estava prometendo é um resultado muito, muito improvável. Seu genro, Jared Kushner, tem um assunto a menos para se preocupar.

A arte do acordo de Trump revelou-se claramente não representar o caminho a ser seguido, após quase um ano de tentativas. O eleitorado americano aos poucos vem compreendendo seu erro. Sua falta de popularidade continua a estabelecer recordes em praticamente todas as pesquisas.

Dificilmente, há algum líder estrangeiro propenso a aceitar o que ele diz, e pior ainda, o que ele faz. A Coreia do Norte continua com capacitação nuclear em condições de atacar os Estados Unidos. A China faz o menos que pode para ajudar os EUA a conter o irracional Kim Jong-un. O Irã se beneficia das ameaças dos EUA para acabar com seu tratado negociado. O Brexit recebe seu apoio incondicional, ao replicar – no Twitter, claro – as mensagens de um grupo de extrema direita, fazendo com que até a primeira-ministra Teresa May responda negativamente.

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Concluo este conto lembrando Ebenezer Scrooge no século 19 de Charles Dickens, em Um Conto de Natal. Inspirado pelo fantasma de seu ex-parceiro Jacob Marley, Scrooge altera seu mau comportamento e se torna bom, generoso e agradável. Talvez no próximo ano vejamos o surgimento de um Trump diferente. Pode-se esperar por milagres. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Opinião por Albert Fishlow
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