
06 de setembro de 2019 | 23h07
BRASÍLIA - O governo federal estuda transferir para os Estados e municípios a parcela que fica para os cofres federais do Salário Educação, contribuição social paga por empresas destinada ao financiamento de 12 programas ligados ao ensino básico. Em contrapartida, governadores e prefeitos terão que assumir a totalidade das obrigações que são bancadas com os recursos, que vão desde a compra de merenda escolar e de material didático a transporte de alunos e obras em escolas e creches.
Com isso, a equipe econômica conseguiria abrir um espaço de R$ 9,3 bilhões no teto de gastos, o mecanismo que proíbe que as despesas obrigatórias cresçam em ritmo superior à inflação. Ao retirar do Orçamento federal os pagamentos dos programas do Salário Educação, que são gastos obrigatórios, o governo ganha margem para aumentar as chamadas despesas discricionárias, como o custeio da máquina e investimentos, em 2020.
A iniciativa é mais uma na lista do governo de estratégias para reduzir os gastos obrigatórios, que incluem o pagamento de salários e aposentadoria.
A vantagem dessa medida é que ela poderia ser feita por um projeto de lei, o que exigiria o apoio da maioria simples na Câmara e no Senado – outras mudanças, principalmente as que envolvem os servidores públicos, precisam ser feitas via proposta de emenda à Constituição (PEC), que exige o aval de três quintos dos deputados e senadores.
A alteração, além de reduzir as despesas obrigatórias e aumentar o espaço do teto de gastos, está em linha com a estratégia do ministro da Economia, Paulo Guedes, batizada de três Ds: desindexar, desvincular e desobrigar. Em resumo, os três Ds acabam com a obrigação do governo de gastar em determinadas áreas e de reajustar certas despesas. Na prática, pode significar fim de reajuste obrigatório de salários e aposentadorias, demissão facilitada de servidores e cortes na obrigatoriedade de investir em saúde e educação, por exemplo.
A arrecadação do Salário Educação vem de uma contribuição social de 2,5% sobre a folha paga pelas empresas para o financiamento da educação básica. Hoje, compete à Receita Federal fazer a arrecadação. Do total, R$ 40% ficam com a União e 60% com Estados e municípios. Em 2018, essa divisão representou R$ 12,8 bilhões para governadores e prefeitos e R$ 9,3 bilhões para a União.
Esses recursos alimentam o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Dentro de cada Estado, a distribuição dos recursos para a rede estadual e municipal é feita de maneira uniforme, com base no número de matrículas dos alunos.
O dinheiro do salário educação banca 12 programas integralmente ou parcialmente, que teriam que ser assumidos pelos governadores e prefeitos. Estudos do governo federal mostram que a medida aumentaria a eficiência dos recursos ao diminuir o papel intermediário desempenhado pela União. Um dos problemas apontados é que, da forma como está a divisão, não há redução nas desigualdades sócio-educacionais entre Estados e municípios.
O dinheiro do Salário Educação não pode ser utilizado para pagamento de pessoal e não é contabilizado para fins de cumprimento do mínimo constitucional em educação.
Para o ex-presidente do FNDE, deputado Gastão Vieira (PROS-MA), a ideia é boa porque os recursos iriam direto para os Estados, dentro da política do ministro Paulo Guedes de “menos Brasília e mais Brasil”. Vieira informou que está fazendo um estudo com consulta de especialistas sobre a proposta. Ele admite, no entanto, que a resistência será forte. Os críticos, segundo ele, argumentam que a proposta pode esvaziar programas tradicionais, como o da alimentação e de compra de material didático.
João Marcelo Borges, diretor da ONG Todos Pela Educação.
A parte federal do salário educação financia em grande medida programas essenciais para a educação básica brasileira, como o PNAE, de alimentação, que é o mais antigo e o maior programa de alimentação escolar do mundo. Vemos isso de duas maneiras. Não pode acabar com essas programas porque são fundamentais para a educação brasileira. As leis e regras que regulam esses programas precisam continuar existindo. Por outro lado, os mecanismos de repasse financeiro para os municípios e os Estados podem, sim, ser mais eficientes, com transferências mais automáticas.
Hoje, há regras específicas para aplicação desses recursos no âmbito de cada um desses programas. Eles geram uma estrutura de pessoal, burocrática, de sistemas na União, Estados e municípios. Regras de prestação de contas diferentes. Passando mais automaticamente, pode tornar mais equitativa a distribuição desses recursos. Hoje, na União a regra é per capita (por aluno). Ela calcula o mesmo valor de repasse da merenda para qualquer aluno do País. Ao passo que um Estado e município sabe melhor quais áreas, escolas e alunos são mais vulneráveis e podem assim tornar mais equitativo a aplicação dos recursos. Os programas nacionais algumas vezes concorrem com os programas estaduais ou municipais.
O grande programa que a gente não vê benefício na alocação subnacional dos recursos federais é o Programa Nacional de Livro Didático, porque hoje a compra é feita nacionalmente por Brasília. Com isso, o MEC ganha em escala. Se os recursos forem distribuídos para que cada Estado e município faça a própria conta, esse ganho de eficiência de escala seria perdido. No caso do livro didático, a cota parte do salário educação que financia o programa e não pode ser alterada agora. Do contrário se torna mais ineficiente. Os livros vão ficar mais caros.
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