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‘Protecionismo é desastroso para todos’

Para Azevêdo, ameaça de Trump e medidas protecionistas podem afetar capacidade de recuperação do Brasil

Por Jamil Chade e correspondente
Atualização:

GENEBRA - Ações unilaterais, como as que o novo presidente americano Donald Trump vem prometendo, seriam “desastrosas para todos”, afetariam a recuperação do Brasil e podem “fugir ao controle”. O alerta é do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, que nesta terça-feira foi reeleito de forma inédita para mais um mandato. Ele, porém, vai enfrentar o que promete ser o período mais complicado no cenário internacional em décadas, com a proliferação de medidas protecionistas e a ameaça real do governo dos EUA de Donald Trump de ignorar as regras internacionais.

 Nos últimos dias, a Casa Branca começou consultas para aplicar sanções contra países sem passar pela OMC, num gesto interpretado como um primeiro sinal de que a entidade pode ser abandonada pela Casa Branca. Não por acaso, assim que assumiu, Azevêdo ouviu da delegação americana um alerta: os próximos quatro anos serão “extraordinariamente difíceis”. Em resposta, o brasileiro declarou aos 164 governos que “a ameaça de protecionismo não pode ser ignorada.”

Azevêdo, da OMC, diz que governos, embaixadores e diplomatas devem lutar pela sobrevivência da OMC Foto: Pierre Albouy|Reuters

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 Azevêdo, porém, diz que o comércio tem sido usado como bode expiatório para problemas que, no fundo, não são do comércio. “Fechar os países para o comércio não é solução. Na crise dos anos 30, barreiras comerciais acabaram com quase dois-terços do comércio mundial, resultando no cenário desastroso que pavimentou o caminho para a segunda grande guerra”, disse.

O brasileiro foi reeleito de forma inédita. Numa entidade acostumada a ver impasses até para escolher sua direção, Azevedo foi confirmado no cargo três meses antes do fim oficial do processo diante de um apoio global. Eis os principais trechos da entrevista.

Quais foram suas principais conquistas no primeiro mandato e o que frustrou o sr.?

A principal conquista foi colocar a OMC de volta no radar. Nos primeiros meses do meu mandato, notava em minhas viagens que as pessoas já não acreditavam na OMC. Isso mudou muito. O Acordo de Facilitação de Comércio, de dezembro de 2013, ajudou a mudar essa percepção. O setor privado está muito mais interessado no nosso trabalho. Isso também se deve a outros resultados expressivos, como a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas e a expansão do acordo de tecnologia de informação. Quanto a frustrações, acho que a maior é ver o recente crescimento da retórica anticomércio. O comércio tem sido bode expiatório para problemas que, no fundo, não tem a ver com o comércio.

Quais serão as prioridades no comando da OMC?

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Precisamos fazer com que o comércio beneficie mais pessoas. Por exemplo, ajudando a que mais empresas de pequeno e médio porte participem do comércio. Um comércio mais inclusivo distribui melhor os benefícios econômicos, além de ajudar a corrigir percepções equivocadas. As negociações na OMC também precisam continuar produzindo resultados, tanto nos temas que já estão sobre a mesa, como agricultura, quanto em assuntos relevantes no mundo de hoje e que despertam o interesse dos membros. O comércio eletrônico é um bom exemplo, mas também a facilitação do comércio de serviços e de investimentos. 

Na sua avaliação, qual será o cenário para o comércio internacional nos próximos anos? 

A estimativa da OMC é de que em 2017 o comércio cresça entre 1,8% e 3,1% em volume. Isso resulta, sobretudo, de estimativas mais modestas de crescimento econômico mundial. Acho difícil voltarmos, no curto prazo, às taxas de crescimento pré-crise de 2008, quando o comércio expandia em torno de 5% ao ano.

Nos últimos meses, temos visto uma retórica cada vez mais presente em candidatos sobre as ameaças do comércio. Isso pode se transformar em protecionismo?

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Ouvi recentemente um conceito que se aplica bem a essa retórica: uma mentira fácil tem mais força que uma verdade complexa. O comércio até pode ser um alvo fácil, mas é o alvo errado. A realidade é que as novas tecnologias – sempre muito bem-vindas – têm um impacto muito maior no mercado de trabalho. E adaptar-se a esse novo cenário é difícil – e não há receita pronta. Sensibilizar as lideranças mundiais para os riscos do protecionismo é um grande desafio para os próximos anos. Os governos precisam atacar o problema do desemprego estrutural preparando a força de trabalho para a economia moderna. Repensando o sistema educacional, promovendo treinamento e readaptação dos trabalhadores e implementando programas sustentáveis de apoio aos desempregados.

Marine Le Pen lidera na França atacando a globalização e seu impacto para uma parte dos trabalhadores, Trump e mesmo outros nos EUA usaram argumento parecido. No Reino Unido, parte dos votos Brexit foi interpretado como uma resposta à globalização que não garante uma situação melhor a todos. Na avaliação do sr., a globalização atendeu de uma forma justa a todos? Por que esse comportamento de parte da população neste momento?

Quando falam de globalização, as pessoas falam de coisas diferentes: migração, soberania, identidade cultural, etc. Vou focar apenas no comércio. É fato inconteste que a economia como um todo ganha com mais transações comerciais. Mas alguns setores perdem. Esses efeitos redistributivos exigem políticas que ajudem na recolocação dos que são afetados. É a resposta honesta. Fechar os países para o comércio não é solução. Na crise dos anos 30, barreiras comerciais acabaram com quase dois-terços do comércio mundial, resultando no cenário desastroso que pavimentou o caminho para a segunda grande guerra.

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Nos EUA, Trump tem deixado claro que quer uma revisão de acordos comerciais e a defesa dos interesses da indústria nacional. Isso preocupa o sr.?

Além de ser um foro negociador, a OMC oferece aos membros um amplo leque de ferramentas para lidar com as preocupações e atritos comerciais. Até mesmo a reforma de acordos faz parte do jogo. O risco de ações unilaterais, fora do marco acordado na OMC, é que preocupa. O unilateralismo tende a provocar reação em cadeia, em efeito dominó desastroso para todos.

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A OMC ganha importância diante de questionamentos e tensão internacional. De que forma a entidade pode ser um instrumento para superar esse clima de hostilidade?

Em tempos incertos, é ainda mais evidente o valor de regras globais acordadas por todos. Esse marco regulatório global foi construído em resposta direta às lições da história. Não é perfeito, mas é a melhor garantia que temos para que erros do passado não se repitam.

Por alguns anos, o Brasil liderou entre os países que mais medidas protecionistas adotava. Hoje, lidera entre os que mais adotam posturas liberalizantes, segundo os próprios informes da OMC. De que forma o comércio pode ajudar a recuperar a economia brasileira?

Sem dúvida, o comércio pode ser um grande aliado do Brasil na recuperação econômica. É claro que o comércio sozinho não resolve, mas é parte importante da equação. Para países com mercado interno grande, pode ser tentador focar na demanda doméstica. Mas não há economia competitiva sem comércio internacional. A introspecção econômica gera ineficiências custosas para a sociedade.

No caso brasileiro, esse discurso protecionista em alguns dos grandes mercados pode afetar a capacidade de recuperação?

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À medida que o discurso se transforme em políticas restritivas, os impactos serão sentidos por todos. Medidas protecionistas podem proliferar rapidamente e fugir ao controle. Isso pode desacelerar a economia mundial e afetar a capacidade de o comércio contribuir para a retomada econômica no Brasil.

O Brasil terá de retirar incentivos fiscais, depois de uma decisão da OMC. Ainda que o tema possa ainda ser alvo de um recurso, que sinal ele manda para o setor privado brasileiro?

Como diretor-geral, não posso comentar litígios em curso. Dito isso, vejo que há um debate no Brasil sobre políticas industrial e comercial, o que é muito saudável. 

O Brasil voltou a negociar um acordo com a UE. Qual seria um caminho saudável para uma maior inserção do Brasil na economia mundial? 

Há espaço para que o Brasil conclua acordos comerciais e também faça reformas que contribuam para aumentar sua competitividade no comércio internacional. O Brasil é competitivo em alguns setores e não é em outros. Essa não é uma realidade brasileira apenas. O que não se deve fazer é esperar ser competitivo em todos os setores para então expor a economia a mais abertura comercial. Essa competitividade horizontal e ilimitada não vai acontecer nunca.

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