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Uruguai e uma nova realidade: a estagnação

Economia deixou de crescer como resultado da desvalorização do real no Brasil e crise argentina

Por Agencia Estado
Atualização:

A crise local não chega a impressionar brasileiros que circulam pelas ruas de Montevidéu, acostumados que estão a cenas semelhantes em cidades como São Paulo, Recife, Porto Alegre ou Florianópolis. Mas os uruguaios relatam como novidade a presença cada vez maior de crianças fazendo malabarismos com limões ou limpando vidros de automóveis nos semáforos ou, ainda, se oferecendo para cuidar de carros estacionados nas transversais da Avenida 18 de Julho para ganhar uns trocados, fenômenos surgidos nos últimos anos, quando a economia estagnou-se como resultado da desvalorização do real no Brasil e da derrocada argentina. Muito dependente de exportações para seus parceiros do Mercosul, o Uruguai viu seu Produto Interno Bruto cair de US$ 20 bilhões para US$ 17 bilhões, a dívida pública crescer, as fábricas fecharem e o desemprego explodir. Montevidéu é uma cidade em que os cinemas ainda não fugiram para dentro dos shopping centers e o centro não perdeu de todo o charme dos cafés e livrarias. Mas estudantes, executivos e aposentados que desfrutam dos atrativos do centro no início da noite percebem que há cada vez mais catadores de lixo reciclável na área. São 7 mil, segundo um censo recentemente feito pela prefeitura, o dobro do que era há 12 anos. Eduardo Guizzu, de 19 anos, nunca teve outra atividade, mas reclama que nos últimos tempos a concorrência aumentou muito, enquanto joga garrafas de plástico na carroça estacionada na Praça Independência. Na madrugada o fenômeno é outro. Antes de o sol nascer na última sexta-feira, o motorista Carlo Galván, 54 anos, já passava sua cuia de chimarrão para algumas das cerca de 400 pessoas que davam a volta no prédio do Banco da Previdência Social (BPS), no bairro Cordon, em Montevidéu. A história que repartia com quem estava próximo a ele na fila de cadastramento para o seguro-desemprego é um resumo do Uruguai de hoje. Galván foi demitido há 15 dias da empresa de táxis em que trabalhava. Um de seus filhos, com 20 anos, ainda não conseguiu seu primeiro emprego. Outro, de 27, também motorista, perdeu a vaga e foi tentar a sorte na Espanha. Transferido para estatísticas, o caso de Galván é apenas um entre 288 mil. Este é o número de desempregados no país e corresponde a 14,4% da população economicamente ativa de 2 milhões de pessoas - para uma população total de 3,36 milhões de habitantes, conforme dados do Instituto Nacional de Estatísticas. A história de seu filho mais velho não está nos índices oficiais. Marcelo é um dos 12 mil jovens que deixaram o país neste ano, segundo cálculo apresentado em editorial pelo jornal El Pais. Acredita-se que outros 26 mil juntem-se, até o final do ano, aos 500 mil uruguaios que foram viver no exterior desde 1998. Em Montevidéu, fala-se ainda, sem citação de fontes, mas também sem desmentidos oficiais, que sete pessoas migram do interior para os bolsões de miséria do norte da cidade por dia. O desemprego também provocou uma cena chocante na televisão esta semana. Sem trabalho há dois anos, um homem de 44 anos invadiu uma estação de televisão e ameaçou se matar. Falta trabalho também para os taxistas, autônomos ou não. No último domingo, o motorista Horacio Garcia, de 67 anos, foi agredido por um colega, que acusou-o de "roubar" uma passageira, e sentiu-se mal. Morreu de ataque cardíaco. Curiosamente, os números do desemprego de todo o Uruguai são parecidos com uma das principais regiões metropolitanas do Brasil, a de Porto Alegre, onde há 269 mil pessoas sem trabalho, um volume equivalente a 15,8% da população economicamente ativa, de 1,7 milhão de pessoas, conforme dados da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Montevidéu, que concentra metade dos 3,36 milhões de uruguaios (pouco mais de um terço da população gaúcha), também viu aumentar suas favelas nos últimos anos. Estima-se que 200 mil pessoas vivam nos chamados ´asentamientos´ e outras 32 mil estejam ameaçadas de seguir o mesmo caminho. Famílias de baixa renda passaram a depender de crianças como Paula Cardoso, de 12 anos, que exibe sua habilidade fazendo malabarismos com limões na esquina da Avenida Brasil com a rambla República do Peru, no bairro de Pocitos, um reduto da classe média alta uruguaia. "Eu ajudo minha mãe", conta ela, referindo aos 100 pesos - um valor próximo aos US$ 6 - que diz ganhar por dia. A criminalidade também cresce e relatos de arrombamentos de casas, assaltos a ônibus em bairros periféricos e a pedestres na madrugada se tornaram cada vez mais freqüentes. Numa tentativa de reverter esse quadro, hoje à noite o presidente uruguaio, Jorge Batlle, usará pela primeira vez desde que assumiu o governo, em 2000, uma cadeia nacional de rádio e televisão para explicar como serão feitos os gastos nos cortes públicos anunciados na semana passada. Entre as medidas estão a suspensão de contratações temporárias e a limitação do uso de celulares nas atividades públicas. Também podem ser anunciados cortes nas faixas salariais mais altas e uma possível reestruturação do governo para o segundo semestre.

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