
26 de setembro de 2014 | 02h01
Buscando resolver um problema, o governo criou outro. Ao informar, na segunda-feira, que usaria R$ 3,5 bilhões em recursos aplicados no Fundo Soberano do Brasil (FSB) para pagar parte dos juros da dívida pública, o governo queria evidenciar ao mercado que será cumprida a meta do chamado superávit primário deste ano. A manobra curiosa, no entanto, tem sido criticada internamente e, hoje, o governo está longe de um consenso sobre o uso do FSB nesse malabarismo fiscal.
Há divisões claras no governo. Parte da equipe econômica tem argumentado nos bastidores que o governo deve manter os recursos do Fundo Soberano como estão, isto é, aplicados nos papéis do Banco do Brasil, e simplesmente assumir que a meta fiscal não será cumprida. Nesse caso, o calendário é favorável: como o resultado final das contas públicas só é conhecido em janeiro, essa admissão ficaria para a nova equipe, em caso de segundo mandato, ou para um novo governo.
O governo será obrigado a revisar a estimativa para o déficit da Previdência. No último relatório orçamentário, a previsão foi levemente elevada a um rombo de R$ 40,6 bilhões. Este número, no entanto, continua fora da realidade, segundo especialistas em contas fiscais. Técnicos do próprio governo já admitem que o déficit será muito superior e deve rondar R$ 55 bilhões. Essa "piora" da Previdência colocará em xeque a meta fiscal, e, para o grupo que defende a manutenção do Fundo Soberano como está, os R$ 3,5 bilhões que seriam sacados em nada ajudariam.
Outro grupo no governo, no entanto, entende o oposto. Em 2012, o governo lançou mão pela primeira vez do Fundo Soberano, como forma de atingir a meta fiscal. Nos últimos dias daquele ano, o Tesouro montou uma triangulação que envolveu a passagem de R$ 12,5 bilhões em ações da Petrobrás de posse do Fundo Soberano para o BNDES e, deste, para a Caixa.
Feita no apagar das luzes e com pouca transparência, essa triangulação foi duramente criticada pelo mercado financeiro e por investidores, que apelidaram o expediente de "contabilidade criativa".
Com menos dinheiro no caixa do Fundo Soberano, justamente por causa da operação de 2012, uma parte relevante dos técnicos entende que a operação deve ser repetida. Até dezembro, se as ações do BB se valorizarem, a fatia hoje estimada em R$ 3,5 bilhões pode ser elevada e, assim, "ajudar" mais o fraco esforço fiscal de 2014.
O Estado apurou que a própria presidente Dilma Rousseff intercedeu na discussão entre técnicos e autoridades dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, além do Tesouro Nacional, sobre a inclusão da operação no relatório de despesas e receitas orçamentárias, divulgado na segunda-feira.
Dilma foi favorável à ideia de usar os R$ 3,5 bilhões do FSB, atualmente aplicados em ações do BB, para reforçar o superávit primário. Mas, para isso, o governo terá de montar uma estratégia para se desfazer dessa quantidade de ações com direito a voto do banco público.
Um movimento de venda imediatamente reduziria o valor das ações do Banco do Brasil por causa da grande oferta. Dificilmente a União abriria mão desse ativo. Mas, mesmo que vendesse, sua participação no BB não seria reduzida porque as ações não entram na conta desde que passaram ao Fundo Soberano. Procurado, o BB não se pronunciou.
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