
26 de janeiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - A escolha do substituto de Wilson Ferreira Júnior na Eletrobrás será definitiva para o futuro do projeto de privatização da companhia. Enquanto a área econômica do governo quer encontrar um executivo à altura de Ferreira Júnior, que acredite na capitalização da companhia, o mundo político aposta no ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que, deixaria a pasta para dar lugar ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), ex-ministro de Minas e Energia e contrário à venda da estatal.
Ferreira Jr., por sua vez, acredita em uma solução interna, que continue o trabalho de redução de custos e de melhoria da gestão que ele iniciou há quase cinco anos. Ontem, em entrevista, ele disse que a dificuldade em aprovar a privatização da estatal no Congresso motivou sua renúncia do cargo.
'Para reforçar a mensagem de capitalização, Bolsonaro deve se envolver', diz Wilson Ferreira Júnior
No governo, a saída de Ferreira Jr. surpreendeu, principalmente pelo timing, uma semana antes das eleições para a presidência da Câmara e no Senado, que precisam dar aval à privatização. O Ministério da Economia sabe que a definição do novo presidente da Eletrobrás é o que vai dizer ao mercado se a privatização vai finalmente andar ou se vai naufragar de vez.
Isso porque Ferreira Jr. anunciou que deixará a empresa três dias após o Estadão/Broadcast publicar uma entrevista com o candidato apoiado pelo governo Jair Bolsonaro para o Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em que ele disse claramente que a privatização da Eletrobrás não seria prioridade em sua gestão. Ele não se comprometeu com prazos e afirmou ser contra o “entreguismo sem critério”. Os investidores reagiram na mesma hora, e as ações da companhia despencaram no mercado.
Chamou atenção o fato de que nem Bolsonaro, nem Albuquerque ou o ministro da Economia, Paulo Guedes, se pronunciaram após a declaração, reforçando a impressão de que a privatização só era prioridade para o próprio executivo. Foi a gota d’água.
Na teleconferência desta segunda-feira, o próprio executivo revelou sua descrença com os rumos da privatização, admitiu que essas dificuldades foram a causa de sua saída e afirmou que o projeto só vai andar se houver envolvimento direto do presidente Jair Bolsonaro – em outras palavras, vontade política e muita articulação.
A maior preocupação do governo neste momento é justamente a eleição da nova mesa diretora do Congresso. Para eleger Pacheco no Senado e Arthur Lira (PP-AL) na Câmara, o Executivo tem negociado acordos políticos sobre todo assunto de interesse do Legislativo, entre eles cargos. Nesse cenário, voltou a circular, nos bastidores, a possibilidade da saída de Albuquerque da pasta de Minas e Energia, que seria dada a Braga como compensação. O senador desistiu de concorrer pelo MDB, cuja candidata é Simone Tebet (MS). Albuquerque, por sua vez, teria uma saída honrosa, como Bolsonaro costuma fazer com aliados leais.
Auxiliares próximos do presidente negaram que ele tenha interesse em trocar o comando do ministério. Procurados, os Ministérios da Economia e de Minas e Energia não comentaram, Braga negou os rumores e a Eletrobrás enviou o fato relevante sobre a saída do executivo.
Na Eletrobrás, a defesa é por uma solução interna, alinhada à política implementada por Ferreira Júnior. Na conferência em que explicou sua saída, o executivo disse que a estatal conta com profissionais com capacidade para substituí-lo – como a diretora Financeira e de Relações com Investidores, Elvira Cavalcanti Presta – e afirmou que o conselho de administração pretende contratar uma consultoria para avaliar outros nomes de mercado. Descartou também a possibilidade de que o presidente do conselho, Ruy Flaks Schneider, oficial de reserva da Marinha, assuma o cargo.
Aos mais próximos, Ferreira Jr. já havia sinalizado desde o fim do ano passado que estava cansado. Em sua gestão, o principal feito foi privatizar as sete distribuidoras do grupo no Norte, Nordeste e Goiás – com muita ajuda do governo Michel Temer. Ferreira Jr. conseguiu fazer demissões e reduzir custos, mas o saneamento da empresa chegou no limite.
Em 2024, o vencimento da concessão de Tucuruí reduzirá em 70% as receitas da subsidiária Eletronorte e, consequentemente, do grupo. A proposta de privatização, parada no Congresso desde novembro de 2019, embutia uma renovação desse contrato por mais 30 anos. Em quase cinco anos, colecionou atritos com o sindicato de trabalhadores, contrários a seu maior projeto, a capitalização, que acabou não entregando.
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Salim Mattar, ex-secretário de privatizações
26 de janeiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O empresário Salim Mattar, que deixou o cargo de secretário responsável pela condução das privatizações no Ministério da Economia, diz que a saída de Wilson Ferreira Júnior da Eletrobrás é mais uma amostra de que o establishment (Executivo, Legislativo e Judiciário) trabalha contra a redução do “gigantismo” do Estado. Na visão dele, a sociedade está “consternada” com a não privatização da Eletrobrás, o que vai obrigar que o tema seja discutido no Congresso, independentemente de quem vencer as eleições para os comandos do Senado e da Câmara. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Vaga na Eletrobrás abre disputa no Ministério de Minas e Energia e pode definir futuro da estatal
O Wilson (Ferreira Júnior) é um profissional muito competente e tinha como objetivo em sua carreira profissional conduzir o processo de capitalização da Eletrobrás que seria a sua respectiva privatização. Ele trabalhou duro durante todo esse tempo. E existia, sim, no passado, uma perspectiva. Da mesma forma, quando eu vi que o processo de privatização estava fora do radar do governo, Legislativo e Judiciário, eu preferi deixar o governo. O que aconteceu com o Wilson é a mesma coisa. Ele pressentiu tendo em vista a declaração do Pacheco (candidato apoiado pelo Palácio do Planalto ao comando do Senado, Rodrigo Pacheco disse ao Estadão/Broadcast que a privatização da Eletrobrás não é prioridade caso seja eleito) que não acontecerá a privatização da Eletrobrás. Mas não pode culpar o Executivo pela não privatização. A privatização está nas mãos e depende da caneta do Congresso.
Tem um projeto de lei caminhando no Congresso. Se ele caminhar e privatizar, o Executivo não pode fazer nada. Está na mão do Congresso. A responsabilidade de privatização da Eletrobrás é única e exclusiva do Congresso.
Neste momento em que está acontecendo eleições, objetivando maioria de votos, buscaram o apoio da esquerda. E falando em política, claro que há uma contrapartida. Dizem que uma das contrapartidas seria a não realização de privatizações. Comenta-se muito no mercado, mas não posso afirmar que seja verdade. A responsabilidade de privatizar ou não é única e exclusiva do Congresso.
Aí, não sei o que eles combinaram. É uma coisa que não posso afirmar. Mas reafirmo que a responsabilidade de privatizar ou não é do Congresso. O establishment não quer privatizações. Tudo é motivo para não privatizar. E establishment , vamos deixar bem claro, que é o Executivo, Legislativo e Judiciário, mais os oportunistas de momento. Podem ser sindicatos, pode ser imprensa, falsos empresários atrás de CNPJ. O modus pensante de 35 anos de social democracia é manter o Estado grande, gigantesco. Onde já se viu o Estado entrar em meios de produção, fornecendo energia elétrica, produzir pólvora. É um atraso total.
O establishment se assustou com a pauta liberal. Lenta e gradualmente foram se opondo à pauta liberal.
Não, ela ainda existe na cabeça do ministro Paulo Guedes. Existe, sim, a possibilidade (de avançar). Existem congressistas que são mais cuidadosos com a causa pública e entendem que alguns projetos têm que passar para resolver os problemas do País. A pauta liberal como um todo, não morreu. Muitos congressistas sabem da importância, por exemplo, da reforma administrativa (propõe reformular o RH do Estado, com novas regras para contratação, promoção e demissão de servidores públicos). O establishment trabalhou muito bem e ficou uma reforma muito fraca porque muitas coisas como estabilidade de emprego e redução de remuneração só daqui a 35 anos que vai funcionar. O establishment conseguiu se salvar e a sociedade brasileira precisa saber disso.
Na hora que ele vai passar o espírito disso, como a privatização da Eletrobrás, quantas vezes o ministro Guedes foi ao Congresso falar da privatização da empresa? Quantas vezes? Não adiantou. Muitas vezes não querem ouvir. Os interesses ideológicos e partidários pessoais são superiores ao projeto Brasil.
Ele está prestando um favor ao Brasil enquanto está lá. Pode estar certo que a gente não sabe o quanto de coisas erradas que ele não permitiu que fizessem. Às vezes ele está sendo julgado por algumas coisas, é difícil fazer esse julgamento. Eu quero lembrar do Mario Henrique Simonsen (ministro da Fazenda durante o governo de Ernesto Geisel, na ditadura, entre 1974 e 1979), quando perguntaram: 'você abriu a tal Brás, Brás, Brás' e ele falou: ‘não me julguem pelo que eu fiz, mas também pelo que eu não deixei que fizessem’. Talvez o Paulo Guedes está nesse momento fazendo um trabalho para não deixar acontecer outras coisas que nós não temos conhecimento.
Eu acredito ainda que o Congresso, passando as eleições, haverá uma sensatez e a sociedade civil está consternada com essa não privatização da Eletrobrás. Se os congressistas representam de fato a sociedade, eles devem privatizar a Eletrobrás. Fiquei muito preocupado com a saída do Wilson. Ele era resiliente , obstinado, determinado em relação à privatização. Privatizar a Eletrobrás é bom para o Brasil, reduzir o gigantismo do Estado.
Neste momento, a vacina muito nebulosa tampou muito assunto, tampou corrupção, privatização da Eletrobrás. Graças à mídia brasileira temos hoje a manchete diária do sobre vacinas. Nenhum país do mundo tem a vacina tão bem explicitada nas primeiras páginas nos primeiros jornais. O Brasil é campeão mundial de exposição sobre vacinas. Nós politizamos a vacina. E isso foi politizado para prejudicar alguns grupos e favorecer outros.
Não, tudo é motivo para politizar.
O quadro hoje é bastante nebuloso. Por isso, temos que esperar os novos presidentes do Senado e da Câmara. Da mesma forma que o político quando vai em campanha, faz promessas e obtém votos e depois não cumpre. Esse é o histórico de políticos no Brasil. Durante a campanha, promete. Eleito, não cumpre.
Eu acho que no caso da Câmara e do Senado existe uma promessa dos candidatos de não privatizar. Depois que eles forem eleitos, com a pressão da sociedade, esse assunto vai acabar em pauta. Não morreu a pauta de privatizações. O Paulo Guedes continua lutando bravamente para emplacar algumas das pautas liberais.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
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