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Vale se vê no meio de briga entre Estados

Governo exige trecho em MT, mas empresa tinha acordos para investir no PA e no ES

Por Renata Batista
Atualização:

A mineradora Vale está se mobilizando para evitar que uma discussão antiga do agronegócio – a melhor saída para os grãos exportados a partir do Centro-Oeste – atrase um dos projetos de maior interesse para a companhia: a renovação antecipada da concessão de suas estradas de ferro. Especialistas que acompanham a discussão dizem que a escolha da contrapartida, pelo governo federal, contraria compromissos antigos da mineradora com Espírito Santo e Pará e politiza a questão antes da hora ao definir os Estados que serão beneficiados pelos investimentos.

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 Ao negociar a renovação antecipada, a Vale aceitou construir a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Campinorte (GO) e Água Boa (MT), ao custo de R$ 4 bilhões e entregá-la ao governo, que licitará o operador. No entanto, especialistas dizem que essa não é a melhor opção.

Vale aceitou construir a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Campinorte (GO) e Água Boa (MT), ao custo de R$ 4 bilhões e entregá-la ao governo Foto: DIida Sampaio|Estadão

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Para não travar o processo e a empresa não correr risco de ter de negociar com o próximo governo, eles defendem o pagamento em dinheiro da nova outorga. “Isso pode virar um inferno se não agirem logo. Conheço bem essa história, pois já fui personagem nela”, diz o ex-diretor da Vale José Carlos Martins, para quem as demandas de Pará e Espírito Santo precisam ser analisadas.

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A empresa não comenta o assunto, mas a avaliação interna é de que a contrapartida exigida é válida para minimizar o risco de deixar a discussão para o ano que vem. A VLI, empresa de logística da qual a Vale detém 30%, deve investir mais R$ 1 bilhão para construir um trecho da estrada de ferro que ligaria os portos do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. O esforço é para contornar a oposição dos governadores do Espírito Santo e do Pará, que deram contornos de briga federativa ao acordo que era costurado. 

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“Tinha tudo para ser perfeito, nem o TCU (Tribunal de Contas da União) ia questionar. Agora, o maior risco é travar um pacote de investimentos de R$ 25 bilhões”, diz o coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende. Ele se refere à negociação conduzida pela Vale e por outras três operadoras ferroviárias: VLI, Rumo e MRS.

Polêmica. Segundo Resende, a necessidade de interligar, por ferrovias, a produção de grãos do Centro-Oeste aos portos é óbvia. A politização ocorreu na escolha das saídas da ferrovia por Itaqui (MA) e Santos (SP). Como o projeto ainda terá de passar por audiências públicas, as críticas dos governos do Espírito Santo e do Pará podem interromper o processo.

O Pará defende a priorização de um arco ferroviário na região Norte, que integre ferrovias, hidrovias e portos e viabilize a saída dos grãos por vários portos da região. Já o Espírito Santo quer a alocação dos recursos das novas outorgas na construção da ferrovia Espírito Santo–Rio. O projeto integraria os portos dos dois Estados e beneficiaria o polo de mineração e siderurgia, que hoje é obrigado a utilizar passar por São Paulo e Minas com suas cargas, o que aumenta os custos logísticos.

“Teria sido melhor não definir agora onde serão aplicados os recursos e avançar com a renovação antecipada, negociada desde 2013. Transformaram em briga federativa uma discussão que exige briga de curto prazo”, diz o especialista.

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Martins também acha que seria melhor pagar a contrapartida em dinheiro e deixar que o governo investisse onde quisesse. “A questão é que, pagando com ferrovia no Mato Grosso, que não tem nada da Vale, a empresa criou uma dívida com outros Estados onde tem operações”, diz.

De acordo com o economista Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o atual momento político do País justifica a tentativa de transferir a responsabilidade de construção para um agente privado. Ele frisa que precisa estar “tudo amarrado” e chama atenção para as vantagens da mudança contratual, além dos investimentos. “Estamos diante da oportunidade de fazer uma mudança importante, que vem sendo discutida desde 2013”, afirma.

Ele lembra que a mudança contratual inclui a possibilidade de devolução de trechos, maior abertura a novos usuários e descontos caso os investimentos não sejam realizados. 

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Para ele, os governadores de Pará e Espírito Santo estão usando os argumentos errados. “Os governadores estão preocupados com seus Estados, e o governo federal, com o Brasil. Eles estão querendo ser compensados por uma coisa boa, que é já ter ferrovias. Justiça federativa é investir em quem não tem ferrovia ainda”, completa. 

Em nota, a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) informou que a definição dos investimentos compete ao governo federal e está amparada no Plano Nacional de Logística (PNL).

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