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''Vamos crescer menos e diferente''

Foto do author Márcia De Chiara
Por Marcelo Rehder e Márcia De Chiara
Atualização:

O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, compara a crise atual à travessia de um deserto. Segundo ele, o desafio para as empresas não é apenas superar essa dificuldade, mas principalmente estarem preparadas para capturar os ganhos da volta dos mercados. "Muitas vezes a solução do problema do deserto é a morte a longo prazo", alerta o economista, referindo-se às empresas que serão obrigadas a vender seus melhores ativos e diminuir de tamanho. Ele destaca que o terreno será fértil para a realização de meganegócios, como a recente fusão entre a Sadia e a Perdigão. A seguir, os principais trechos da entrevista. O País entrou em recessão técnica na virada do ano. Dá para prever uma melhora da economia no segundo semestre? Achamos que o último trimestre será bem melhor. Projetamos crescimento de 3% para o PIB do quarto trimestre, que é o que prevemos para o ano que vem. Para 2009, o crescimento será zero. Perto do que vinha acontecendo, é uma recuperação mais lenta. O crescimento será diferente. Os investimentos serão muito mais lentos, até porque há uma capacidade ociosa enorme no mundo inteiro. Além disso, o consumo não crescerá tão rapidamente quanto no passado. E as empresas vão ter de mudar suas estratégias. A crise virou a economia de cabeça para baixo? O ponto básico é que vamos crescer menos e diferente. Do ponto de vista do consultor, do empresário, o desafio hoje é o seguinte: tem um deserto para atravessar e o desafio não é só atravessar esse deserto. É atravessar o deserto e estar preparado para capturar os ganhos da volta dos mercados. Isso não é para todo mundo. Por quê? O que tem de fazer não é só uma coisa defensiva, de gastar menos etc e tal. Todo mundo tem que reduzir custos. Mas tem que ter estratégias ofensivas, de novos produtos, novos nichos. Enfim, a estratégia aí varia de lugar para lugar para quando a crise terminar termos condições de capturar esses benefícios. Está ocorrendo uma reorganização muito vigorosa nos mercados. Um exemplo é do agronegócio: o setor de açúcar e álcool já tinha uma certa concentração que está aumentando com a entrada das petroleiras. Isso é uma mudança brutal! Se pegarmos o mercado no ano que vem e compararmos com o de cinco anos atrás, vamos estar falando de dois mundos completamente diferentes, onde obviamente tem ganhadores e perdedores. É só olhar quanta gente está em recuperação judicial. E esse tipo de desafio está em todos segmentos. Muitas empresas vão morrer no fim do deserto? Vão morrer, porque eventualmente serão compradas. Morrer pode incluir isso, ser objeto de compra. Se ficou exageradamente apertado no capital de giro, não conseguiu reduzir custo, para muitas empresas não sobra outra alternativa, a não ser vender um pedaço. O pedaço que tem valor são os melhores ativos. Muitas vezes a solução do problema do deserto é a morte a longo prazo. Vende os melhores ativos e fica com os piores. O senhor acha que surgirão mais negócios como o da Sadia com Perdigão? Certamente. É o que está acontecendo no mundo inteiro. Tem uma reestruturação das atividades produtivas no mundo como um todo, como sempre ocorre nas crises do capitalismo. O velho morre e algumas coisas novas aparecem. São novos modelos de negócios que viabilizam novas tecnologias. Nos mercado automotivo está acontecendo isso, nos mercados de matérias-primas também. Esses sacolejos, nós vamos ver muito, porque a geografia econômica mudou. Mesmo que você cresça zero ou 2%, do ponto de vista empresarial tem um burburinho, tem uma reorganização, uma reestruturação que é cada vez mais forte. Todos os mercados vão se guiar por coisas um pouco diferentes que as do passado. Esse é o desafio. As empresas perceberam essa mudança qualitativa? Ainda tem gente que não percebeu que o desafio não é só atravessar o deserto. O desafio é o posicionamento de médio prazo. Alguns já perceberam, mas acho que a ficha não caiu para muita gente, que acha que a economia vai voltar a ser como era antes. Inclusive porque o Brasil sofreu menos que outros países. Em outros lugares o PIB caiu 5% e a crise é visível a olho nu. É bom que aqui não tenha caído tudo isso, mas o jeitão dos negócios vai ser muito diferente. Haverá alguma mudança no consumo? Provavelmente, a geografia do consumo vai mudar pela mesma razão que mudou entre 2003 e 2008. Nesse período, o Nordeste cresceu mais que as outras regiões em termos de consumo, porque as transferências de renda impactaram muito a região. Se forem reduzidos os volumes de transferência daqui para frente, o Nordeste não vai ganhar muita coisa. O Mato Grosso, que está bem ilhado, também perde competitividade, por falta de infraestrutura. Exportar soja do Mato Grosso por Santos, por exemplo, deixou de ser competitivo. O Rio de Janeiro vai deixar de ganhar porque os royalties do petróleo produziram pouco efeito na região. O mercado de consumo não cresceu de forma importante no Rio. Acho que a região que inclui São Paulo, norte do Paraná, Triângulo Mineiro, Mato Grosso do Sul, esse entorno de São Paulo, vai voltar a ganhar relativamente renda porque é a região que tem melhor infraestrutura, oferta relativamente maior de energia. Também é onde está mais concentrado o progresso tecnológico. O que vai sustentar o crescimento de 3% em 2009? Se olharmos os ganhos de renda que tivemos por faixa salarial está claro que houve uma parada muito forte no ganho de renda das faixas mais altas. Todas as pesquisas mostram isso, e tem razão de ser. Há desinvestimento, menos contratação de pessoal técnico, menos bônus e tem uma certa concentração nos ganhos de renda da faixa média. Uma coisa que deve melhorar no ano que vem é o componente do investimento ligado à construção habitacional. A construção civil residencial vai contribuir para crescimentos maiores da formação bruta de capital fixo no ano que vem, e será um dos fatores de crescimento da economia. Mais que o consumo das famílias? Nós não temos essa projeção, mas como variação vai ser mais, porque a base vai ser menor e o salto vai ser maior. Uma boa indicação disso é o movimento de inscrição nesse programa novo do governo (Minha casa, minha vida), que é uma indicação da disposição das pessoas de encarar a compra de uma casa. Nas faixas médias, de R$ 150 mil a R$ 300 mil, as construtoras relatam um interesse também bastante forte. No ano passado, as construtoras ficaram sem dinheiro, sem capital de giro e reduziram drasticamente os lançamentos. Mas já estão construindo o que venderam no ano passado e lançando menos agora. Na medida que forem entregando as obras, haverá um alívio no capital de giro, porque o financiamento passa para o comprador. Isso vai dar um pouco mais de fôlego para as construtoras, junto com a mudança do saldo financiado pelo SFH, que passou a R$ 500 mil. Estou otimista com relação à contribuição relevante que a construção habitacional terá no ano que vem. O pior da crise já passou? Se lá fora continuar como está, eu diria que nós entramos numa fase mais construtiva. Dois trimestres negativos e daí para frente modestamente positivos e depois mais positivo. O risco disso é um eventual recrudescimento da crise internacional, que não dá para jogar fora. Muita gente está dizendo que a recuperação no mundo vai ser um W. Não seria nem um V nem um U. A situação está melhorando, mas pode ter outra queda. Se isso acontecer, nós vamos desacelerar de novo, aí não tem como escapar. Achamos que os indicadores financeiros que estão bombando vão ter um ajuste. Eles estão superestimando a recuperação? Sim e acho que alguma meia trava lá fora vai ocorrer. Se olharmos as bolsas no mundo, elas estão precificando o fim da crise, o que não é verdade. Há risco lá fora. Se não acontecer o W, eu acho que dá para dizer que o pior já ficou para trás. Onde o senhor vê o fator de risco do W? O fator de risco do W tem dois ou três caminhos.O primeiro é o aumento das taxas de juros longas que está acontecendo lá fora, porque os tesouros têm que emitir papel adoidado para financiar essa expansão cavalar de créditos. A projeção da relação dívida PIB, em todos os países desenvolvidos, é de crescimento forte. Nos Estados Unidos, o FMI projeta lá para 2012 que a dívida pública vai ser quase 80% do PIB.E não é de qualquer PIB, é do PIB de US$ 15 trilhões. E já está pressionando. Então, a taxa de juros longa pode ser uma pressão em cima disso. O segundo risco está na Europa. A situação econômica da Europa é muito ruim. Hoje é inequivocamente pior do que a dos Estados Unidos. O ajuste na Europa está muito mais atrasado. A Europa pode ter um tombo maior do que está sendo comentado, que já é um tombo grande. A economia da Europa como um todo é do tamanho da economia dos Estados Unidos. A conexão crédito/taxa de juros e Europa seriam os dois riscos maiores. Se tiver o W, nós vamos sentir e o governo vai ter menos cacife, porque a taxa de juros já vai estar mais baixa. Também não vai ter mais sobra de dinheiro para benefícios tributários. O risco de ocorrer um repique da crise inibe os planos das empresas? Todo mundo está cauteloso, inclusive as empresas. É como chegar numa praia que você nunca foi . O negócio é por um pé depois do outro para ver se não tem buraco. Acho que é um pouco isso. Por isso é que a nossa previsão é de que o PIB vai crescer só 3% no ano que vem. E a probabilidade de ocorrer o W é grande? É razoável o suficiente para aterrorizar as pessoas. Há pelo menos 40% de chance, o que não é desprezível. E o fator China ? Se ocorrer uma segunda caída nos mercados desenvolvidos, a China sozinha não segura. Ela já esticou ao máximo a expansão de investimentos. Muita gente acha até que ela foi além do que devia. Desse mato não sai mais coelho no curto prazo. O potencial do mercado interno e as exportações de commodities, puxadas pela China, são apontadas como os grandes trunfos do Brasil nessa crise. Como o senhor vê a sustentabilidade desses dois trunfos, se a China colocar o pé no freio? A exportação de commodities agrícolas é sustentável mesmo que a China desacelere. Para a exportação de commodities temos uma percepção muita positiva para todos os tipos de alimentos. Isso é muito bom para o Brasil. A razão para isso é simples: a demanda por alimentos no mundo cai muito pouco. Um desempregado americano não come menos do que quando está empregado. Ele corta o carro, não paga a casa, não paga o cartão de crédito, mas não deixa de comer. E no mundo em desenvolvimento, a China e Índia estão crescendo e a demanda por alimento não cai. Em outros países, os governos fazem das tripas o coração para suportar o consumo de alimentos por questões sociais ou políticas. Além disso, há pouco estoque de alimentos e São Pedro continua tendo um peso definitivo, houve seca na Austrália, por exemplo. O cenário é muito favorável para as commodities agrícolas produzidas no País? O setor de commodities no Brasil vai sair dessa crise muito mais competitivo. Um exemplo é a carne vermelha. A Argentina vai importar carne vermelha em 2011. Está tão ruim a situação lá que metade dos abates são de matrizes. O país está liquidando o rebanho. Como os argentinos consomem muita carne e o preço lá é relativamente baixo, eles vão ter que importar carne. A Austrália não consegue aumentar a produção de carne porque não tem água. Quando o mundo voltar a crescer, quem vai ser o grande fornecedor? O Brasil. A mesma coisa está acontecendo com a celulose. Os nórdicos estão fechando fábricas uma atrás da outra. Na China, aquelas fabriquetas menores, com celulose de bambu, essas coisas, também não estão dando conta.

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